São Paulo, quarta-feira, 6 de agosto de 1997
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Salário mínimo e emprego

MARCELO NERI

Paul Krugman afirmou que o estado atual da ciência econômica seria mais rudimentar do que o da medicina no final do século passado. Na época, os médicos já sabiam, por exemplo, que induzir hemorragias para baixar a febre alta causaria mais mal do que bem.
Já os economistas, hoje, não detêm respostas definitivas sobre algumas questões básicas, entre elas: quais seriam os efeitos colaterais de aumentos do salário mínimo?
David Card e Alan Krueger realizaram uma série de pesquisas empíricas, cujos resultados desafiaram a visão convencional de que aumentos do salário-mínimo produzem queda de emprego entre trabalhadores não-qualificados.
Tradicionalmente, a literatura americana sobre o fenômeno previa que, para cada 10% de aumento conferido ao mínimo, o nível de emprego cairia cerca de 1%.
Os novos resultados surpreenderam a academia americana ao refutar a idéia de que aumentos de preço do trabalho produzem quedas nas quantidades demandadas. Indiretamente, o artigo questiona a validade no mercado de trabalho de uma das pedras angulares do pensamento econômico: a lei da oferta e da demanda.
Essas pesquisas foram posteriormente consolidadas no livro "Myth and Measurement: The New Economics of the Minimum Wage" (Princeton University Press, 1995). A concessão da última Clark Medal, o prêmio mais importante da associação de economistas americanos (AEA), a David Card, em função desse livro, e a posição de Alan Krueger como segundo homem no escalão do equivalente Ministério do Trabalho americano deram notoriedade ao livro fora dos círculos acadêmicos.
O manuscrito de Card e Krueger inova, ao aplicar métodos empíricos tomados emprestados das ciências naturais, incluindo comparações entre grupos de "tratamento" e de "controle", quando aumentos de salário-mínimo são concedidos para alguns trabalhadores, mas não para outros. Essa metodologia é aplicada a uma série de episódios recentes em que o salário-mínimo foi reajustado de forma diferenciada entre Estados norte-americanos.
Em todos os "experimentos naturais" empreendidos, o resultado é robusto: o salário-mínimo impacta o rendimento do trabalho, mas não o nível de emprego da mão-de-obra não-qualificada.
Em contraste, existem evidências preliminares, para o caso brasileiro, de que aumentos do salário-mínimo provocam não só reduções de emprego como queda de qualidade dos postos de trabalho.
Tomemos o episódio de maio de 1995, quando o salário-mínimo passou de R$ 70 para R$ 100: a probabilidade de um trabalhador empregado no setor formal que ganhasse acima do novo mínimo -e que, portanto, não deveria ser afetado pelo reajuste- se tornar no mês seguinte desempregado e trabalhador sem carteira de trabalho foi de 4,15% e 4,2%, respectivamente. Essas estatísticas sobem para o grupo afetado pelo mínimo para 6,3% e 8,8%, respectivamente.
Em suma, o emprego do grupo sujeito à legislação do salário-mínimo apresentou uma probabilidade mais alta de ser negativamente impactado, mas a principal perda se refere não ao nível, mas à qualidade do emprego.
No que tange à análise de bem-estar social, Card e Krueger apontam efeitos favoráveis, mas modestos, de aumentos do salário-mínimo sobre a pobreza.
Como aumentos do salário-mínimo não geraram efeitos adversos sobre o nível de emprego dos grupos afetados pela legislação, o efeito líquido sobre o bem-estar social é positivo. Isto é, a renda dos grupos afetados que mantém o emprego aumenta e o nível de emprego desse grupo não cai.
Entretanto, dada a relativamente baixa participação dos grupos afetados na população, o impacto social de aumentos do mínimo seria relativamente modesto no contexto norte-americano.
No caso brasileiro, o salário-mínimo parece exercer um papel relevante no combate à pobreza. Esse resultado indica que os efeitos benéficos do salário-mínimo sobre os rendimentos do trabalho dominam os efeitos negativos sobre o nível e a qualidade do emprego mencionados. Todos esses resultados para o caso brasileiro, mencionados acima, são consistentes com o que dizem os textos de economia.
O aspecto empírico difícil de ser reconciliado com a teoria é o salário-mínimo impactar hoje mais os salários dos trabalhadores informais do que os dos demais trabalhadores brasileiros. Nesse ponto, cabe ressaltar que resultados empíricos que não atendem à nossa vontade ou que escapam à nossa razão não devem ser necessariamente considerados obras de doidivanas. Teoria e evidência nem sempre caminham de mãos dadas.

E-mail: meneri@ipea.gov.br.

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