São Paulo, quarta-feira, 6 de agosto de 1997
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As ameaças da (des)regulamentação do petróleo

ANTONIO CARLOS SPIS

A grande imprensa tem se mostrado otimista quanto ao futuro da Petrobrás dentro do cenário da quebra do monopólio. Entretanto, a dura verdade é que o projeto de regulamentação do setor petróleo, levado adiante pelo governo, cria uma série de dispositivos para dividir a Petrobrás em pedaços e possibilitar a "débâcle" da estatal, ameaçando inclusive o mercado consumidor interno.
Vamos começar pelo artigo que cria a Agência Nacional do Petróleo. A ANP, que pelo projeto se tornará a todo-poderosa controladora do setor no país, será uma entidade independente, sem o controle do Estado e da sociedade. Isso, por si só, já é uma temeridade, já que o petróleo é um bem básico, estratégico para todos os demais setores da indústria nacional.
Além disso, da diretoria da ANP não poderá fazer parte qualquer empregado ou ex-empregado da Petrobrás, que são os maiores conhecedores da indústria de petróleo no Brasil. Os membros da ANP poderão vir, no entanto, de multinacionais privadas, ou de indicações políticas da Presidência da República, sem nenhuma salvaguarda contra possíveis pressões político-partidárias ou de lobbies.
Pelo projeto de regulamentação, a Petrobrás é obrigada a entregar seus mais de 40 anos de conhecimentos tecnológicos e investimentos acumulados, de graça, para a concorrência, por intermédio da ANP. A Petrobrás terá também que alugar ou ceder "gentilmente" seus dutos e terminais às suas rivais -que belo exemplo de concorrência filantrópica!
Com a liberação total da importação de combustíveis e outros derivados de petróleo, as multinacionais poderão trazer do exterior produtos a preços baixíssimos (praticando o dumping). Elas também poderão utilizar suas refinarias ociosas no exterior, em vez de investir em novas refinarias no Brasil. Isso irá causar a quebra das refinarias nacionais já existentes e o fechamento dos campos de menor produção de óleo, agravando a crise econômica e causando desemprego.
O projeto de regulamentação do petróleo permite, sim, a privatização de todo o patrimônio da Petrobrás. Pelo artigo 65, a Petrobrás poderá se dividir em inúmeras novas subsidiárias e entregar essas empresas ao controle acionário de uma companhia privada ou multinacional.
Ou seja, não adianta o artigo 63 da lei garantir que a Petrobrás continuará estatal. Porque, em poucos anos, a estatal poderá estar reduzida a um mero escritório no Rio de Janeiro, sem possuir qualquer plataforma de petróleo, terminal ou refinaria.
É importante notar que a regulamentação do setor petróleo nos países do Primeiro Mundo não tem nada de liberal. A maior parte dos países europeus conta, inclusive, com empresas estatais para regular o mercado. Isso é necessário para confrontar o cartel de grandes empresas que hegemoniza a produção mundial de petróleo.
Já no caso do projeto do governo, está faltando definir uma estrutura reguladora eficiente para o setor, que atue no sentido da preservação dos interesses nacionais. É necessário um controle muito mais democrático da agência reguladora do petróleo.
Para evitar que ela seja aprisionada por interesses particulares, prejudiciais ao país, deve-se propor que o órgão regulador seja dirigido por representantes do governo, da Petrobrás, das empresas privadas do setor, dos trabalhadores da indústria de óleo e gás, dos órgãos de defesa do consumidor e da comunidade acadêmica.

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