São Paulo, sexta-feira, 8 de agosto de 1997
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Dashiell Hammett

EDOUARD WAINTROP
DO "LIBÉRATION"

No verão de 1917, um homem grande, ruivo e magro desembarca do trem em Butte, Montana. Seu nome é Samuel Dashiell Hammett, tem 23 anos e é detetive.
Ele ainda é muito diferente daquele que alguns anos mais tarde irá escrever "O Falcão Maltês" e "Safra Vermelha" e revolucionar o gênero do romance policial com um estilo claro e preciso, frases curtas e um novo tipo de herói: o detetive durão (hard boiled).
Hammett foi enviado a Butte pela famosa agência de detetives Pinkerton, a pedido dos patrões do cobre, para acabar com uma greve.
Butte está dividida em duas. De um lado, os mestres das minas e da transformação do cobre com seus aliados: engenheiros, políticos católicos do Partido Democrata, protestantes do Partido Republicano e a imprensa.
Em 8 de junho de 1917, um acidente nas minas causa a morte de 164 homens. Cólera operária. Palavra de ordem: greve. Os patrões exigem uma punição ao IWW.
Marcus Daly, o "boss" da Anaconda Copper Mining, e seus colegas, descontentes com a lentidão das autoridades, trazem capangas e detetives da Pinkerton à Butte.
Sua missão: infiltrarem-se no sindicato para denunciar os simpatizantes e lançar palavras de ordem provocadoras.
É sem dúvida uma das missões de Hammett. Mas o jovem detetive também é contatado para uma outra tarefa. Frank Little, líder sindical que tira o sono dos barões do cobre, acabara de chegar a Butte. Little é um desses agitadores de forte personalidade que fazem a reputação do IWW. É preciso livrar-se dele.
Em 28 de julho, o jornal dos grevistas informa que capangas atacaram operários na Anaconda Road. Os sindicalistas começam a temer por suas vidas.
Little toma a palavra e tenta fazer com que os mineiros entrem para o sindicato, cuja filosofia ele define: "Uma agressão contra um trabalhador é uma agressão contra todos os trabalhadores. Obriguem seus patrões a deixá-los em paz".
A imprensa local tacha-o de subversivo perigoso. O editorial do "Anaconda Standard", jornal publicado sob controle da Anaconda Copper Mining, é arrasador. "O IWW é contra a América, contra a lei e a ordem, é pela anarquia. Seus líderes se colocam à parte da nação americana. Receberão tratamento de inimigos."
Os patrões pedem a prisão de Little ao delegado. Ele recusa. Na noite do dia 31, Little toma a palavra diante dos mineiros antes de se dirigir para a pensão familiar onde mora, ao norte de Wyoming Street.
O assassinato
Às três horas da manhã de 1º de agosto, um carro preto com seis homens pára em frente à casa de Little. Cinco deles descem e dizem à proprietária que são policiais encarregados de prender o sindicalista.
Arrombam a porta do quarto e, sem nenhuma dificuldade, pois Little estava com uma perna fraturada, imobilizam-no para a rua de cueca, amarram-no na traseira do carro e arrastam-no por quilômetros.
Quando param, Little está com os braços e pernas quebrados. Seus sequestradores então castram-no e penduram-no em uma ponte ferroviária com um bilhete preso ao pescoço. Um "aviso" aos demais líderes da greve.
Um juiz arquiva o processo concluindo que Little foi assassinado por desconhecidos. Ele é enterrado no Mountain View Cemetery. Daí em diante, ninguém mais fala no assunto.
A não ser Hammett. Ele fala a Lilian Hellman. Nos primeiros meses em que vivem juntos, em 1930, ele lhe revela que um executivo da Anaconda havia lhe oferecido US$ 5.000 para matar Little.
Lilian Hellman estremece e se questiona sobre por que tipo de homem se apaixonou. Hammett repete tantas vezes a mesma história que Lilian acaba por acreditar. E também compreende que se trata de um momento chave na vida de Hammett.
"Que se tenha pedido a ele para matar um homem, e que esse homem tenha sido linchado deve ter sido um horror para Hammett. Eu acredito que venha da época do assassinato de Little a certeza que Hammett tinha de viver em uma sociedade corrompida. Com o passar do tempo, ele acaba por acreditar que apenas a revolução comunista seria capaz de varrer essa corrupção", disse Lilian.
Suspeitas
Richard Layman, biógrafo de Dashiell Hammett, não acredita nessa história. Entretanto, em 1982, um dono de livraria de Butte, Richard Green, afirma que, não apenas Hammett tinha uma responsabilidade nesse caso, como não havia recusado a oferta que lhe fora feita.
A prova seria um romance de Upton Sinclar, um escritor de esquerda da época que fez uma ficção sobre o linchamento do sindicalista Little. Em "One Hundred per Cent", Sinclair cria um personagem chamado Hammett que participa diretamente do assassinato.
E a proprietária da pensão na qual morava Little diz que um dos assassinos era muito magro, alto (cerca de 1,80 m) e jovem, talvez 20 anos. Hammett tem 23 anos, é bastante magro e mede 1,83 m...
Green é o único a acusar Hammett. Jerry Calert, historiador do sindicalismo, cita o testemunho de Bill Dune, um dos líderes da greve de Butte, que, em 1923, deu os nomes de todos aqueles que ele julgava implicados no assassinato: alguns empregados de uma companhia de vigilância privada, um ex-delegado-adjunto e matadores conhecidos. Mas Dune conhecia tudo sobre o assunto?
Lançado em 1929, o primeiro romance de Dashiell Hammett é marcado por essa história. André Gide confessava ter ficado assustado com o cinismo e o horror de "Safra Vermelha".
Os críticos americanos frequentemente os classificaram como exagerados. Era como pensar que o crime de Butte havia sido o único. Era esquecer que, em 1916, no Estado de Washington, matadores e vigias massacraram militantes do IWW a golpes de bastão de beisebol, chicote e revólver.
Que no dia 11 de novembro de 1919, em Centralia, também no Estado de Washington, Wesley Everest, do IWW, foi espancado, castrado e pendurado por ex-combatentes da American Legion.

Tradução Luiz Antonio Del Tedesco

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