São Paulo, sábado, 9 de agosto de 1997
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Família moderna

Família moderna
WALTER CENEVIVA
Para tratar da

WALTER CENEVIVA

Para tratar da família moderna, tenho de assumir que esse tipo novo de reunião familiar existe, diferente da família tradicional. Estarei certo? Convém esclarecer, pois mais de dois terços da população brasileira têm menos de 40 anos. Tanto quanto minha experiência seja aceitável, a família dita moderna tem inúmeros pontos que a distinguem da, digamos assim, antiga. Nem tão antiga, aliás, cujo ocaso começou no fim da Segunda Guerra Mundial, nos anos 40. Vale a pena ver a diferença.
Nesses "velhos tempos" (que chegaram a 1962, com o Estatuto da Mulher Casada), a formação familiar se sustentava, quase integralmente, sobre o casamento indissolúvel. Indissolúvel por força de lei vigente até 1977, mas também pelo costume de que o matrimônio devia persistir a todo preço, mesmo à custa de sofrimento e de hipocrisia. Muitas vezes, mais de hipocrisia do que de sofrimento.
O Código Civil permitiu o desquite desde 1917, mas a mulher separada era malvista na sociedade e preferia sofrer com o marido; era pior sem ele, na fala do povo.
O homem era provedor exclusivo dos recursos econômicos indispensáveis e, nessa condição, geralmente tratado como ser superior. A lei definia a mulher casada como relativamente incapaz para os efeitos da vida civil (assim como os índios não-civilizados), cabendo ao marido a missão de chefe da sociedade conjugal. Sim, chefe. Suas decisões subordinavam os demais membros da família, salvo poucas exceções.
Os filhos surgiam em maior número. Os métodos de controle da natalidade se limitavam à camisinha (palavra absolutamente proibida de ser pronunciada no ambiente familiar), às tabelas e a outras imaginosas soluções, com frequência malsucedidas. Os filhos eram educados em casa, como predominante encargo da mãe, cabendo à escola difundir a informação e cultura. O direito ainda não havia inventado o salário-família ou o salário-educação e dominava o acesso à escola pública, sendo exceção o ensino particular, predominando neste o conduzido pelas congregações religiosas, muito embora a Constituição de 1891 houvesse declarado o estado laico, no Brasil.
O reconhecimento de filhos havidos fora do casamento foi proibido até 1949, quando editada a lei nº 883. Os nascidos antes podiam ser registrados em seu próprio nome, mas sem indicação do pai e mesmo da mãe, se ambos fossem adúlteros. Só com a Carta de 1988 a distinção entre filhos foi proibida, impedindo que estes pagassem o preço pelo erro dos pais.
A família tumultuária de hoje, na qual são frequentes as uniões múltiplas, com e sem filhos, por pais e mães diversos e na qual o casamento civil e religioso perdeu a velha importância, está envolvida em uma rápida transformação dos modos de vida e dos costumes. Será melhor ou pior que a antiga? Do ponto de vista do direito, nem pior nem melhor. Apenas diferente e a caminho de retomar alguns dos elementos essenciais de sua antecessora, entre os quais uma quase-volta da mulher-mãe, em face de seus filhos. Vem sendo mais firme a convicção geral de que a educação, na infância e na adolescência, não pode nem deve ficar a cargo de creches e escolas, de babás e preceptores, de "tios" e "tias", enfim, mas do pai e da mãe.
Em termos brasileiros, percebe-se que a nacionalização dos costumes (ou seja, o que se adota no Rio e em São Paulo passa a padrão nacional) precedeu a globalização. Os padrões mundiais, aflitos com a brutalização da sociedade, precedida pela perdição de tantas crianças, parecem prontos para um retorno sobre seus passos. Mães e pais estão repensando seus papéis.

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