São Paulo, sábado, 9 de agosto de 1997
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Gramado recebe Alfredo, o outro Guevara

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

É como principal homenageado do 25º Festival de Gramado - Cinema Latino e Brasileiro que o cubano Alfredo Guevara, 71, desembarca nesta segunda no Brasil.
Guevara recebe na quarta-feira um Kikito (o prêmio de Gramado) especial por mais de três décadas de militância em favor do cinema latino-americano.
Alfredo foi amigo, mas não parente, do mais célebre Guevara da Revolução Cubana, o argentino Ernesto "Che" Guevara de la Serna (1928-1967). Muitíssimo antes de conhecê-lo, Alfredo já era um dos mais próximos colaboradores de Fidel Castro, a quem encontrou no final dos anos 40 ainda nos tempos de universidade.
Fidel estudava direito; Alfredo, filosofia. O primeiro admirava José Marti; o segundo já tinha Marx como autor preferido. A militância estudantil de esquerda os aproximou -e nada mais os separaria.
Alfredo não participou pessoalmente da guerrilha que levou Castro ao poder, mas foi logo chamado pelo amigo para integrar o grupo central do novo regime.
Acabou sendo incumbido de liderar uma agressiva política cinematográfica, que tinha como um dos pilares a integração das cinematografias da América Latina.
Em março de 1959, apenas três meses depois do triunfo revolucionário, fundava-se o ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficas), que fomentou uma nova era na produção de Cuba, revelando ao mundo cineastas do porte de Tomás Gutiérrez Alea ("Morango e Chocolate", 1994) e Santiago Álvarez ("Now", 1965).
Guevara o presidiu da abertura até 1981, quando se tornou embaixador de Cuba junto a Unesco. Voltou ao cargo, que mantém até hoje, em 1992. É também presidente do Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano, cuja 19ª edição ocorre em dezembro.
Para cineastas e artistas latinos de esquerda, Alfredo Guevara é um ídolo e um mistério. Óculos pesados, paletó sempre pendurado sobre os ombros, é arredio e fala pouco. A aura do amigo de Castro e Che e do pupilo de Buñuel sempre o acompanha.
Para os opositores de Fidel, em especial aqueles que romperam com a revolução, como Guillermo Cabrera Infante e Néstor Almendros, Guevara é um burocrata sinistro e autoritário.
Como sempre, é Cabrera Infante que o metralha com maior estilo, classificando-o como "o mais odioso comissário comunista, quase um Shimyavsky de Stalin sem falar russo".
Depois de duas tentativas anteriores sem sucesso, Alfredo Guevara concedeu à Folha uma raríssima entrevista por escrito. A primeira parte dela segue abaixo. Ao longo do Festival de Gramado, a Ilustrada publicará o restante.
*
O JOVEM FIDEL - "Conheci Fidel quando iniciava meus estudos de filosofia; ele cursava direito. Já no primeiro dia, um jovem desconhecido me chamou a atenção sobre Fidel, dizendo-me que tinha de conhecê-lo pois parecia ser um jovem excepcional destinado a uma muito intensa atividade política na universidade.
Era um verdadeiro furacão, e essa foi minha primeira visão. Não era um rapaz qualquer e poderia talvez chegar a ser o José Martí que toda minha geração esperava descobrir. Aquele furacão, soube mais tarde, era o 'eleito' e soube encabeçar a revolução."
OPÇÃO PELO CINEMA - "Minha vocação sempre foi filosófica e literária. Como todo adolescente, segui apaixonado as aventuras do Oeste americano e me divertia gritando e comendo guloseimas enquanto nas tela assassinavam a granel os índios que resistiam à invasão ianque.
Jovem, vibrava com a comédia americana, Claudette Colbert, Clark Gable, Ingrid Bergman e Robert Taylor, Greta Garbo, Adolph Menjou, Joan Crawford.
Idealizados ao extremo, pareciam-me 'modelos' de espiritualidade e sofisticação. Estava hipnotizado. Foi então, no Seminário de Apreciação Cinematográfica da Universidade de Havana, com o professor Valdés Rodriguez, que descobri que podia desfrutar aquele encanto, mas que a vida é também banalidade e jogo, e o cinema era outra coisa.
Influiu nesse transcender a lição que soube nos dar Ludwig Schajovics, professor de tragédia grega no teatro universitário."
NO EXÍLIO MEXICANO COM BUÑUEL - "No México, estive sob a proteção de um produtor de prestígio, Manuel Barbachano Ponce, e de seu irmão Jorge.
Barbachano formou uma equipe jovem para trabalhar com ele -Carlos Fuentes, García Ascot e eu. Essa mesma equipe foi encarregada de trabalhar com (o cineasta espanhol Luis) Buñuel em 'Nazarin' (1958) e 'Los Náufragos de la Calle de la Providencia'.
Buñuel me adotou, pude trabalhar a seu lado no set e reencontrei um velho amigo, o diretor de fotografia Gabriel Figueroa."
GLAUBER - "A relação com Glauber se iniciou muito cedo. Ele rodava 'Barravento' (1961) e me mandou fotos e uns recortes de jornal. O entusiasmo dele por cinema e pela Revolução Cubana transbordava daquelas linhas.
Respondi a ele, e assim começou uma relação a distância que terminou como amizade fraterna."

LEIA MAIS sobre Guevara à pág. 4-5

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