São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Medo faz pais se esconderem dos filhos

AURELIANO BIANCARELLI e LUCIA MARTINS

AURELIANO BIANCARELLI; LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles omitem namoradas, camisinhas, uso de drogas ou homossexualismo para manter imagem de super-homem

Marco escondia do filho que tinha namoradas, Ricardo nunca disse que estava doente, Paulo se prepara para contar que é homossexual, João Carlos escondeu que passou um ano sem emprego, Ronival não sabe quando dirá que esteve preso.
Como a grande maioria dos homens, esses são pais que se esforçam para preservar aos olhos do filho a imagem do super-homem que não perde emprego, não fica doente, não tem medo nem fraquezas. Neste domingo, mais do que em qualquer outro, pais e filhos participam de um "teatro", onde o pai é sempre um herói.
O jogo costuma fazer bem para as duas partes, dizem os especialistas. Há uma idade na vida da criança que o pai é mesmo um herói, independentemente de quem seja ou do que faça. Aos poucos, à medida que o filho cresce e o pai se sente preparado, a imagem do pai se aproxima da real.
A farsa forçada e continuada pode provocar tensão e tristeza no pai. E o filho será o primeiro a perceber a mentira. "O importante para a criança é que aquilo que está vendo no rosto do pai é o que está acontecendo de fato", diz o psicólogo clínico Sócrates Nolasco. "Quando se sente bem, o pai não deve sentir vergonha do que é."
Esdras Guerreiro Vasconcellos, do Instituto de Psicologia da USP, diz que a relação que se estabelece entre pai e filho é muito mais forte que o fato em si. "As sensações e os sentimentos presentes na relação contam mais do que as características de uma ação", afirma.
Isso explica, por exemplo, casos de pais alcoólatras, depressivos ou que não trabalham e que, mesmo assim, são queridos pelos filhos por conta da relação carinhosa que mantém com eles.
O pai-herói cultivado pela criança tende a evoluir naturalmente para uma frustração na adolescência. "A decepção do filho com o desmoronar do pai-herói é quase uma condição para o crescimento", diz Luiz Cuschnir, psicoterapeuta de homens e adolescentes.
Quanto mais sucesso tiver o pai e mais durar seu poder, mais dificuldade terá o filho para se firmar.
"A insistência em manter uma falsa imagem de perfeição pode criar no filho a idéia de que é possível ser super-homem. Mas como não é, esse menino pode ser um insatisfeito eterno", afirma Eduardo Ferreira Santos, médico supervisor do serviço de psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Por outro lado, mesmo achando que o correto é compartilhar tudo com os filhos, as revelações têm que ser feitas com cuidado, alertam os médicos.
"Em algumas situações, é importante preservar a criança de uma situação de dor ou frustração. A verdade só deve ser dita quando ela é adequada ao momento", diz Ferreira Santos. E o momento certo apenas o pai saberá reconhecer.
Segundo o médico, esse "momento" surge quando o pai se aproxima do filho e o relacionamento se fortalece.
Para o psicanalista Rubens Coura, o importante é tentar ser natural, mesmo se ele não "verbalizar" o problema. "Fingir que está feliz quando não está não funciona. A criança percebe logo."

LEIA MAIS sobre pais às pág. 2 e 3

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