São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Inflação baixa custa desemprego, diz Malan

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, comemora a inflação de 5,81% em São Paulo, nos últimos 12 meses, mas admite que o processo para chegar a esse índice -o menor desde 1951- tem custos.
"Seria ingenuidade imaginar que há piruetas, mágicas, soluções salvadoras, absolutamente inovadoras, para lidar com um país que, entre 1981 e 1992, teve nada menos que sete anos de queda do Produto Interno Bruto per capita, com a inflação passando de 100% para 2.700%", disse Malan em entrevista à Folha.
Entre os custos da inflação baixa, ele admitiu que os índices de desemprego nos grandes centros formadores de opinião poderão ter efeitos negativos sobre as eleições.
"Isso é natural, é inevitável", disse. Como exemplo, citou a região metropolitana de São Paulo e o vale dos Sinos, pólo calçadista do Rio Grande do Sul.
O ministro, porém, rejeita a associação da inflação baixa com uma retração na economia. "Assim como 1997 é o quarto ano consecutivo de trajetória de queda da inflação, é também o quinto ano consecutivo de crescimento sustentado da economia brasileira."
Ele também diz que é errada a avaliação de que os Estados e municípios vivem um período de penúria e avisa: "O governo federal está submetido às mesmas restrições orçamentárias a que estão os governos de Estados. Aí não tem negociação."
Malan, 54 anos de idade, 31 de serviço público, continua cauteloso. Mas está mais solto e mais político depois de reafirmar seu comando da economia com a indicação do amigo Gustavo Franco para a presidência do Banco Central.
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Folha - É verdade que o sr. entra mudo e sai calado das reuniões de governo?
Pedro Malan - (risos) Eu acho um absurdo que essa afirmação tenha sido considerada como absolutamente verdadeira. Quando me contaram da primeira vez, eu tive a mesma reação que tive agora: morri de rir. Não é plausível, não é razoável, escapa à imaginação mais ensandecida, a idéia de que eu possa ter ocupado a presidência do Banco Central naquela fase que nós passamos, mais dois anos e sete meses no Ministério da Fazenda, com reuniões praticamente diárias, e que tenha ficado calado. Quem acredita nisso é capaz de acreditar em qualquer coisa.
Folha - Por que, então, o ministro Sérgio Motta deu entrevista dizendo isso? Logo ele, que é considerado o ministro mais próximo do presidente da República.
Malan - Eu não tenho qualquer comentário a fazer, a não ser que o ministro em questão não participa das reuniões da equipe econômica. Tudo o mais que eu tinha a dizer, disse pessoalmente ao presidente da República. Para mim, esse é um episódio superado.
Folha - A nomeação do economista Gustavo Franco para a presidência do BC foi na sequência daquela entrevista. Pode ser considerada uma reafirmação de seu comando sobre a área econômica?
Malan - Não existe nenhuma relação entre uma coisa e outra. A escolha do Gustavo Franco para substituir o Gustavo Loyola foi natural, resultado de uma grande convergência dentro do governo.
Folha - Na sabatina de Gustavo Franco no Senado, falou-se muito na reformulação do sistema financeiro, na regulamentação do artigo 192 da Constituição. Esse é um tema recorrente, mas nunca se avança. Por quê?
Malan - Eu conheço pelo menos meia dúzia de projetos de regulamentação do 192, apresentados à Câmara. Trata de questão muito complexa, que inclui toda a área de seguros, toda a área de valores mobiliários, toda a área de Banco Central e de instituições que operam com autorização e sob a fiscalização do BC.
Fazer uma só lei regulamentando essas questões não é tarefa trivial, especialmente num momento em que o país se reorganiza para conviver com uma inflação civilizada. O ideal seria regulamentar por uma outra emenda constitucional separando as três áreas.
Folha - É para traçar planos de longo prazo para questões como essas, do sistema financeiro, que o economista André Lara Resende está voltando ao governo?
Malan - O André é uma cabeça privilegiada, muito bem-sucedido na área privada, mas com profundo senso público. Além disso, é muito meu amigo. Tenho conversado com ele para explorar algumas possibilidades de colaboração. E tenho também conversado com outros economistas de fora do governo. Sempre fui assim. Gosto de trabalhar em equipe, de ouvir muito.
Folha - Então Lara Resende não é um caso isolado? Vai haver uma espécie de núcleo de economistas?
Malan - Quanto a isso, só o tempo dirá. Mas, veja bem, a intenção é ouvir pessoas para projetos estratégicos que se imponham por muitos e muitos anos. Por exemplo, as reformas do sistema financeiro, da Previdência Social, da ordem tributária.
Folha - A intenção é já preparar um programa de governo para o eventual segundo mandato do presidente Fernando Henrique?
Malan - Não, de forma alguma. Nesse processo de reestruturação institucional do país, temos que pensar em algumas referências para aquilo que gostaríamos de ter no século 21. Estamos querendo pensar o Brasil, independentemente de quais venham a ser as futuras administrações do país, neste e no próximo século.
Folha - Segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), a inflação dos últimos 12 meses é a menor desde 1951. Isso é resultado de um processo de retração da economia?
Malan - Eu sempre disse que não há incompatibilidade entre manter a inflação sob controle, com o crescimento sustentado da economia, e a melhoria continuada da qualidade de vida da maioria da população. Os resultados da inflação não surpreenderam ninguém. Todas as estimativas e projeções, tanto do governo quanto do pessoal de fora do governo, indicavam uma faixa de 10% para este ano, que é o que nós vamos ter. Será, aliás, o quarto ano consecutivo nessa trajetória de queda.
Folha - Isso não tem um alto custo?
Malan - Todo processo de estabilização tem um custo, especialmente quando um país sai da beira da hiperinflação, como é o caso do Brasil. Seria ingenuidade imaginar que há piruetas, mágicas, soluções salvadoras, absolutamente inovadoras, para lidar com um país que, entre 1981 e 1992, teve nada menos que sete anos de queda do Produto Interno Bruto per capita, com a inflação passando de 100% para 2.700%. Imaginar que a solução para essa doença possa ser feita num estalar de dedos, ou por meio de uma pirueta técnica, é no mínimo ingenuidade.
Folha - O governo estava trabalhando com um índice de crescimento de 4% para este ano e já baixou para 3,5%. Esse não é um dos custos?
Malan - A economia não é uma ciência exata. Você não aperta um botão e sai exatamente o percentual de crescimento que vai se registrar no final do ano. Mas eu quero lembrar que assim como 1997 é o quarto ano consecutivo de trajetória de queda da inflação, é também o quinto ano consecutivo de crescimento sustentado da economia brasileira: 4,2% em 93, 5,9% em 94, 4,2% em 95, 3% em 96, em torno de 4% este ano e, provavelmente, também no próximo. Isso não é um crescimento desprezível em lugar nenhum do mundo. Na verdade, causa espécie quando algumas pessoas chamam isso de recessão.
Folha - Ao comemorar os novos índices de inflação, o presidente Fernando Henrique os associou à última pesquisa IBGE.
Malan - Qualquer pessoa que for escrever sobre inflação e nível de desenvolvimento tem que ler a última pesquisa do IBGE sobre as taxas de crescimento demográfico. No final dos anos 60, nós estávamos com uma taxa de crescimento de quase 3%. Era 2,9%, mais ou menos. E caiu a menos da metade, a menos de 1,4% ao ano. O que significa isso? Que a mesma taxa de crescimento do PIB equivale a um PIB per capita 1,4% maior.
Folha - Um dos custos a que o sr. se refere para a queda acentuada da inflação é o índice de desemprego? O sr. não acha arriscado, num ano eleitoral, conviver com índices de desemprego muito altos nos grandes centros formadores de opinião?
Malan - São os custos de um processo de mudança estrutural que vem ocorrendo no Brasil. Isso significa que não estamos produzindo as mesmas coisas, da mesma maneira e nos mesmo lugares. Está havendo um processo, na minha opinião, saudável, de redução dos ainda significativos desequilíbrios regionais. Está havendo uma desconcentração da atividade econômica brasileira. Não é adequado, portanto, considerar que os indicadores de uma determinada região metropolitana são hoje, como eram na década passada, expressão do que está acontecendo no conjunto do país.
Folha - A minha pergunta foi sobre o risco político do desemprego nos grandes centros.
Malan - Se pode haver problemas para o processo eleitoral nas regiões mais atingidas, como a região metropolitana de São Paulo, ou o vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul? Isso é natural, é inevitável. Esperamos que isso seja equilibrado com a estabilidade do poder de compra da moeda, que beneficia a maioria da população.
Folha - O Gustavo Franco disse que o Banco Central não tem nada a ver com menino de rua. O sr. vai fazer como ele e dizer que a Fazenda também não?
Malan - Como pessoas, nós todos somos sensíveis aos dramas sociais, mas o Gustavo Franco tem razão: numa democracia, cada instituição tem sua responsabilidade. A responsabilidade primeira do BC, como também da Fazenda, não é definir o conjunto de políticas sociais, nas áreas de saúde, educação e trabalho, por exemplo.
Folha - Mas não é a Fazenda que tem a chave do cofre para todos os ministérios dessas áreas?
Malan - Não é essa a percepção correta. A percepção correta é que todo e qualquer país, sem exceção, tem que lidar com demandas, em boa parte legítimas, que excedem as disponibilidades de recursos existentes.
Folha - Isso vale como recado também para os governadores?
Malan - Isso é um recado para todos. Todos precisam entender que não existe mais a mágica da inflação, que mandava a conta para os pobres. O governador Antônio Britto, por exemplo, deu um bom exemplo pedagógico ao aumentar em 1% o ICMS do Rio Grande do Sul. O que ele disse para a sociedade gaúcha, com isso, foi que as coisas têm um custo, um ônus. Se querem dar aumento para isso ou para aquilo, têm que saber de onde tirar o dinheiro.
Folha - Mesmo com o aumento do ICMS, o governador Britto continua liderando a grita dos governadores que querem compensação federal para a perda de arrecadação de ICMS com exportações. O governo continua irredutível?
Malan - O fato é que há uma lei, que foi negociada com os Estados e aprovada pelo Congresso. Essa lei existe e exige um teto para que haja compensação. O que não quer dizer que não estejamos, como sempre estivemos, abertos ao diálogo.
Folha - O sr. é tucano?
Malan - Não sou filiado a partido algum, embora tenha amigos em vários deles, inclusive no PSDB.
Folha - E o sr. tem o que se chama de "sensibilidade política"?
Malan - Essa expressão tem vários significados. Eu já a vi empregada, por exemplo, para justificar determinados aumentos de gastos ou para sugerir que eu vá fazer política e pedir votos no Congresso. Nesses casos, não, não tenho.
Folha - A reeleição está em pauta. Isso vale para o presidente da República e para os governadores e significa pressão por verbas. Tem negociação?
Malan - O governo federal está submetido às mesmas restrições orçamentárias a que estão os governos de Estados. Aí não tem negociação. O que é possível fazer, tanto no governo federal quanto nos Estados, é vender patrimônio, preferencialmente, para abater estoque da dívida.
Folha - O sr. falou "preferencialmente". Está aberta uma brecha para investimentos sociais e em infra-estrutura?
Malan - Nos Estados, a decisão é de cada governador. Eu espero que a parte principal da venda de ativos vá para redução da dívida. No caso federal, o presidente da República foi taxativo nesse sentido. Não há mais dúvidas.
Folha - O que o sr. disse sobre as restrições orçamentárias soa como advertência aos governadores, na base de "não vem que não tem". É isso mesmo?
Malan - Não tem sido essa a nossa postura. Desde o início, nós dizemos que duas posições devem ser evitadas. Uma é dizer que cabe a cada governo estadual equacionar seu próprio problema, o governo federal não tem nada a ver com isso e vai ficar, olimpicamente, observando à distância os esforços de cada governador para lidar com seus problemas fiscais e patrimoniais. Essa não é a nossa postura. Nós somos uma república federativa, logo, estamos todos no mesmo barco.
Por outro lado, também não é possível que os Estados digam que cabe ao governo federal resolver os seus problemas. Nós estamos dispostos a participar desse esforço de médio e longo prazo, que é o que importa, desde que os Estados também estejam dando claras demonstrações de ajuste fiscal, de privatização.
Folha - Eles estão dando essas demonstrações?
Malan - Eu diria que é incorreta a percepção de que todos os Estados brasileiros estão numa desastrosa situação econômica e financeira. Isso não é correto. Há Estados que estão muito bem. Há decisões corajosas que vêm sendo tomadas por vários deles. É o mesmo caso, quando se discute o FEF (Fundo de Estabilização Fiscal), de se dizer que os municípios estão quebrados. Também não é verdade. Há municípios que estão muito bem, outros nem tanto, e outros, ainda, que estão mal.
Folha - Como foi o seu almoço de quinta-feira com o líder do governo na Câmara, deputado Luís Eduardo Magalhães?
Malan - Não foi o primeiro, nem será o último. Falamos sobre a agenda legislativa, o encaminhamento de algumas questões. Um almoço de trabalho. Estamos todos confiantes de que o FEF será aprovado sem problemas, como no primeiro turno.
Folha - O que se pode esperar da reunião com bancos federais para discutir uma saída para a Encol?
Malan - Essas conversas prosseguem, e não só com bancos federais. Há um pool de bancos, na maioria privados, discutindo uma solução. O governo não tem condições de dar ordens a essas instituições em questões de gestão, gerenciais. Nós só estamos expressando a nossa preocupação, legítima, não com a empresa em si, mas com os 42 mil mutuários e os 12 mil empregados.

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