São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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As causas domésticas

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Vice-diretor do departamento de ciências sociais da Universidade de Stanford, um dos principais centros de pesquisa norte-americanos, Stephen Haber diz que a Teoria da Dependência perdeu influência no meio acadêmico dos EUA e mesmo latino-americano.
Para ele, as causas do subdesenvolvimento da América Latina são intrínsecas ao continente.
Em seu "How Latin America Fell Behind" (Como a América Latina Ficou para Trás), lançado este ano nos EUA, Haber escreve que o fosso de desenvolvimento que separa a América do Norte (menos México) dos países vizinhos, ao sul, se abriu nos séculos 18 e 19.
Ele foi o organizador do livro, que têm ainda ensaios de outros nove autores, como Enrique Cárdenas. Publicado pela editora da Universidade de Stanford, o livro deverá ser lançado em espanhol.
Haber deu entrevista à Folha por correio eletrônico.
(JRT)
*
Folha - O senhor escreveu que o Brasil ficou atrasado em relação aos EUA nos séculos 18 e 19 quando seu PIB cresceu seis vezes menos do que o norte-americano. O senhor poderia resumir as razões disso? Essas razões estão mais relacionadas a causas estrangeiras ou nativas (brasileiras)?
Steve Haber - As razões guardam relação maior com causas domésticas do que estrangeiras. O Brasil, como boa parte da América Latina, cresceu devagar por várias razões. Em primeiro lugar, a falta de boas hidrovias internas tornou os custos do transporte nacional bastante altos, desse modo desencorajando o comércio interno. Segundo, o Brasil demorou a adotar muitas das inovações institucionais do século 19 que levaram os mercados a funcionar com maior eficiência em outros países. Entre elas figuraram leis que incentivaram a formação de companhias limitadas, protegeram os direitos de propriedade intelectual, especificaram claramente os direitos de propriedade fundiária, incentivaram a agricultura em pequenas propriedades e puseram fim à escravidão.
Folha - Em seu livro, o senhor argumenta que a base da Teoria da Dependência é equivocada. Lawrence Harrison faz o mesmo em seu livro "The Pan-American Dream". O senhor acredita que o ponto de vista acadêmico sobre as razões pelas quais a América Latina se atrasou está mudando nos EUA?
Haber - Acredito, sim. Durante as décadas de 70 e 80 a Teoria da Dependência foi a perspectiva dominante das causas do subdesenvolvimento latino-americano. Praticamente não há estudiosos sérios na América Latina que ainda acreditam que a dependência é capaz de explicar o abismo entre o desenvolvimento das principais economias latino-americanas e a dos Estados Unidos. As evidências empíricas, em sua imensa maioria, apontam para outra direção.
Folha - Um dos principais autores da Teoria da Dependência, o presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, hoje lidera as reformas de liberalização econômica no Brasil, que incluem a abertura crescente das fronteiras comerciais e financeiras do Brasil. O senhor acredita que isso demonstra que ele tenha mudado de idéia, e por quê?
Haber - Não me parece que a Teoria da Dependência seja subjacente a nenhuma das mais importantes reformas que tiveram lugar sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, a abertura da economia para o comércio exterior e os fluxos de capital estrangeiro apontam no sentido inverso -para uma rejeição dos principais preceitos da "dependência".
Folha - Qual é a importância dos fatores culturais no desenvolvimento brasileiro? O senhor concorda com a idéia de Harrison de que o principal motivo do fracasso latino-americano é a chamada cultura ibero-católica?
Haber - Afirma-se há muito tempo que a cultura ibero-católica atuou como um peso, atrasando o desenvolvimento latino-americano. Não estou tão certo assim de que isso seja verdade. Afinal, a França é um país católico. Também há bom número de países que estiveram sob domínio britânico e que, presume-se, tenham estado sob a influência da cultura protestante-britânica, mas que não se desenvolveram. Os exemplos incluem as ilhas britânicas, no Caribe, e a Índia.
Folha - O senhor acha que a história do Nordeste brasileiro poderia ter sido diferente se os holandeses tivessem vencido a guerra contra os portugueses no período colonial?
Haber - Isso seria pura especulação.
Folha - Quais serão, em sua opinião, as consequências da globalização nas Américas? O senhor acredita que a globalização da democracia e da economia liberal será suficiente para gerar modernização e condições capazes de reduzir a desigualdade na América Latina?
Haber - A globalização vai gerar crescimento econômico. A curto prazo, ela pode até aumentar a desigualdade, porque quem tiver qualificações melhores vai ganhar mais. A curto prazo, a globalização também vai implicar em custos consideráveis de ajuste, à medida que as empresas ineficientes vão à falência e os empresários empreendedores e trabalhadores buscam outros postos de trabalho. A longo prazo, porém, a América Latina terá um padrão de vida mais alto, em função do fim das barreiras comerciais, de trabalho e de capitais.
Folha - O senhor acha que a Zona de Livre Comércio vai funcionar nas Américas, passando por cima do abismo de 50 anos em matéria de desenvolvimento humano que separa os países do norte do continente daqueles do sul?
Haber - Não sei o que o senhor quer dizer com abismo de desenvolvimento humano. Se quer dizer que existem diferenças grandes entre o Norte e o Sul em matéria de níveis de ensino, não vejo isso como problema de grandes proporções.
Folha - Os empresários brasileiros se queixam de que os impostos de importação sobre produtos brasileiros, tais como suco de laranja e açúcar, são os mais altos dos Estados Unidos. O senhor acredita que o governo dos EUA está preparado para pagar o preço que será cobrado da agricultura norte-americana, se as barreiras comerciais forem eliminadas?
Haber - Acredito que sim. Essa é uma parte muito pequena da economia norte-americana.
Folha - Quais serão as consequências do aumento no número de imigrantes hispânicos nos EUA? O senhor acredita que os EUA estejam passando por um processo de "abrasileiramento", com o aumento do desnível entre ricos e pobres?
Haber - O desnível de renda entre ricos e pobres nos EUA está aumentando. As evidências disso são contundentes. Não está claro, entretanto, se os imigrantes estrangeiros exercem muito impacto sobre esse processo. A maior parte do desnível é causado por três outros processos que vêm ocorrendo desde a década de 70: o aumento no número de famílias chefiadas por pais ou mães solteiros, o enfraquecimento dos sindicatos e o aumento da renda dos trabalhadores qualificados e altamente instruídos, à medida que a economia vai se caracterizando cada vez mais por indústrias de alta tecnologia, onde os retornos pagos a quem possui as habilidades desejadas são altos.
Folha - O senhor pretende publicar seu livro no Brasil?
Haber - Eu gostaria muito de publicar "How Latin America Fell Behind" no Brasil. Já existem planos de publicar o livro em espanhol, mas eu gostaria muito de ver uma versão em português.

Tradução de Clara Allain.

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