São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Ex-presidente quer 'inflação moderada'

FERNANDO GODINHO
DE BUENOS AIRES

Ganhar as eleições parlamentares da Argentina marcadas para o próximo mês de outubro não garante uma conquista antecipada da disputa presidencial de 1999, o que vale tanto para a oposição como para o governo.
A opinião é do coordenador da atual aliança eleitoral da oposição, Raúl Alfonsín, que presidiu a Argentina entre 1983 e 1989.
Em entrevista à Folha, ele afirma que as oposições não querem alterar o modelo econômico do país -a principal bandeira do governo-, mas "evitar seus efeitos sociais negativos".
Ele admite que prefere "uma inflação moderada com emprego a uma estabilidade absoluta com desemprego" (16,1%, atualmente).
Alfonsín, lembrado como o presidente da hiperinflação (quase 5.000% no último ano do seu governo), falou sobre sua administração, polemizou com o presidente Carlos Menem e criticou a "estrangeirização da Argentina".
A seguir, os principais trechos de sua entrevista.
*
Folha - Sua candidatura a deputado nacional pela Província de Buenos Aires estava em terceiro lugar nas pesquisas e ...
Raúl Alfonsín - Não é bem assim. Estava em terceiro lugar, mas subindo cada vez mais.
Folha - Seu desempenho eleitoral o fez abandonar a candidatura e articular a aliança entre UCR e Frepaso?
Alfonsín - Não. Defendo que não se pode pensar em apenas um partido para se ter um governo com sentido nacional e popular. É preciso trabalhar com todos os setores progressistas do país, e essa campanha poderia prejudicar a oposição. Por isso concordei em levar adiante essa aliança.
Folha - O governo federal critica a aliança dizendo que ela é contra a estabilidade econômica.
Alfonsín - Isso é um disparate. Nossa proposta econômica ainda está sendo analisada, e não vamos produzir um salto no vazio. Queremos evitar os efeitos sociais negativos de uma estratégia econômica que nos levou a uma situação muito difícil. Não significa que defendemos uma desvalorização do peso, o que seria um desastre.
Folha - O sr. já declarou que "um pouquinho" de inflação faria falta à Argentina.
Alfonsín - Disse que é preferível uma inflação moderada com emprego a uma estabilidade absoluta com desemprego. É o que qualquer pessoa sensata pensa.
Folha - O sr. disse que a Argentina está sofrendo um processo de "estrangeirização da economia". Isso o preocupa?
Alfonsín - Os serviços públicos foram privatizados e, em geral, caíram em mãos estrangeiras. Além disso, os bancos e grande parte da nossa indústria estão à venda, inclusive os fundos de pensão. Tudo passa às mãos estrangeiras, e isso me preocupa. As decisões precisam ser tomadas de acordo com as conveniências do país.
Folha - O presidente Menem disse que a aliança representaria a volta a uma Argentina com grandes filas, sem luz e com hiperinflação. Como o sr. avalia as críticas?
Alfonsín - Isso é uma grande idiotice. Estamos pensando no futuro.
Folha - O presidente também o critica diretamente, dizendo que recebeu uma "brasa ardente" ao sucedê-lo, em 1989.
Alfonsín - Ele sempre diz isso.
Folha - Disse ainda que o sr. é um político que faz de tudo para "se manter na crista da onda".
Alfonsín - Não vou responder a isso. Não discuto idiotices.
Folha - Quem ganhar as eleições neste ano ganha a eleição presidencial de 1999?
Alfonsín - Não será o mesmo vencedor, pois são duas eleições diferentes: uma parlamentar e outra presidencial. Além disso, a situação no país pode se modificar em dois anos.
Folha - O sr. pretende disputar a Presidência em 1999?
Alfonsín - Não. E me parece difícil que essa idéia seja alterada nos próximos dois anos.
Folha - O peronismo morreu na Argentina? Só existirá o "menemismo" no Partido Justicialista?
Alfonsín - O peronismo histórico ainda existe em alguns grupos, principalmente nos sindicatos. Mas ele não existe mais no governo, que está muito influenciado pelas teses neoconservadoras.
Folha - Apesar de o seu governo ter feito a transição de um regime militar para um governo civil, ele continua sendo lembrado pela hiperinflação. Já ocorreu uma reconciliação do sr. com a sociedade?
Alfonsín - Nunca tive problema com a sociedade. Isso não quer dizer que as pessoas votam em mim. Mas em todas as partes sou recebido com muito afeto. Os altos índices de inflação durante meu governo também ocorreram no Brasil e em toda América Latina.
Folha - O sr. se arrepende de ter enviado ao Congresso a Lei da Obediência Devida e a Lei do Ponto Final, que interromperam os processos contra militares que participaram da repressão?
Alfonsín - Absolutamente. Creio que salvamos o país. Em nenhum país do mundo foi feito o que nós fizemos na Argentina em matéria de direitos humanos. Ninguém, que eu saiba, enviou os militares à Justiça (os comandantes das Juntas Militares foram condenados). Em todo processo de transição é preciso haver negociação entre os setores democráticos e os ex-ditadores.
Folha - Oito anos depois do seu governo, o sr. acha correto ter deixado a Presidência seis meses antes do prazo final?
Alfonsín - Sim, porque garanti a democracia. E isso vai ser um ponto de honra para o meu partido no futuro, porque fomos capazes de fazer sacrifícios para salvar as instituições da nação.

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