São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Sobra do stalinismo militariza meninos

Acampamento transforma férias de verão em quartel

PHIL REEVES
DO "THE INDEPENDENT"

Num bosque de bétulas a 120 km de Moscou, alguns militares veteranos estão brincando de guerra. Mas seus soldadinhos não são de chumbo: são crianças, em alguns casos de apenas 9 anos.
Os meninos -não há garotas- estudam colocação de minas, combate corpo-a-corpo e caratê. Os instrutores fazem vídeos deles arrastando-se por pântanos, usando capacetes de aço e carregando réplicas de submetralhadoras.
Os garotos correm quilômetros todos os dias e, para qualquer lugar onde se dirijam, têm de ir marchando. São esses os prazeres do verão para os órfãos e alguns outros meninos que têm o azar de ser enviados para o acampamento de verão da Kaskad, em Boiarkino, a sudeste de Moscou.
O acampamento é dirigido pelo capitão Guennadi Korotaiev, 36, vice-comandante de uma unidade do setor de formação política do Exército russo por quatro anos.
O capitão anda em volta das barracas camufladas com ar de desafio, vestindo uniforme verde-claro aberto no peito e ostentando uma faca de caçador presa no cinto.
Ele mostra-se surpreendentemente jovial. Afinal, há duas semanas um dos garotos morreu.
Um anúncio no mural mostra uma foto em preto-e-branco do rosto gorducho e adolescente de Valeri Logvinov, 16.
Os funcionários dizem que Logvinov foi atropelado por um caminhão atolado na lama, que os meninos tentavam fazer "pegar no tranco". Depois do incidente, mais da metade dos garotos foi para casa, mas 18 permaneceram.
O acampamento é dirigido por um grupo voluntário, a Organização Esportiva e Técnica de Defesa Russa. Trata-se de uma rede implantada ainda sob o governo de Stálin para criar um elo entre os jovens e os militares.
Até o fim da União Soviética, todos os escolares tinham aulas de defesa civil, que incluíam o treino com armas de madeira.
"Nós os estamos preparando para a guerra de verdade", afirma Korotaiev. Ele diz que seus garotos não precisam de lema nem mascote. "Provamos tudo com atos."
Um ato desse tipo teve lugar no verão passado, quando o grupo foi enviado para ver se conseguia atacar uma usina elétrica. O capitão conta que eles passaram 18 horas fora do acampamento, sendo perseguidos por 120 policiais e 20 integrantes das forças de segurança.
Como se pode ver, os garotos são durões. Não é a impressão que dão, quando saem das barracas e formam filas para o desfile vespertino. Parecem cansados, magros e carrancudos -talvez porque não tenham para onde ir.
Perguntamos a um garoto pálido e com aparência exausta como era a vida no acampamento. Seu nome era Kolia e tinha 14 anos, mas aparentava apenas 10. Contou que são acordados às 8h com um grito militar, depois formam fila e fazem uma corrida de 3 km. A seguir, meia hora de exercícios, e só depois podem tomar café da manhã.
"Tivemos mingau de aveia no café e sopa de peixe no almoço", explicou um garoto loiro de 10 anos, chamado Aliocha, que fazia as vezes de sentinela.
O capitão dá várias explicações para justificar sua empreitada. Diz que ela afasta os meninos das ruas, da droga e da criminalidade.
Além disso, dizem, os garotos se divertem -são autorizados a promover bailes à noite, com as meninas de um acampamento vizinho.

Tradução de Clara Allain

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