São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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A APOSTA DE FHC

"Sabem que nós não temos mais condições de fazer ajuste nenhum porque tudo já foi feito", afirmou esta semana o presidente Fernando Henrique Cardoso, acrescentando logo a seguir que, caso o governo não tenha mais como avançar, "não terá mais outro caminho" senão o de explicar à sociedade que a responsabilidade é dos "demagogos".
À primeira vista, a fala presidencial é mais um recado para o Congresso no sentido de pressioná-lo a aprovar as reformas administrativa e previdenciária. Isso é correto, mas não é tudo e nem mesmo o principal.
É preciso entender o que disse o presidente em função da perspectiva da reeleição e, mais do que isso, como sinalização do que ele pretende fazer com seu eventual -ou provável- segundo mandato.
Fernando Henrique já percebeu que a atual gestão está entrando na sua fase final marcada pelo ônus de ter obtido êxitos apenas parciais. A inflação foi controlada, é verdade, mas o grande efeito distributivo do Plano Real parece ter-se esgotado, sem que o governo possa mostrar à população ganhos substanciais em áreas como saúde, educação e segurança.
A isso soma-se o fato de que a "reestruturação do capitalismo brasileiro", como gosta de dizer o presidente, ou seja, a promessa de reformismo assumida durante a campanha, revela-se em certa medida frustrada, deixando a todos uma clara sensação de que o governo fez a lição de casa pela metade.
O presidente sabe que, mesmo pressionando o Congresso, dificilmente poderá extrair dele num ano pré-eleitoral aquilo que não conseguiu até agora. É provável que uma ou outra reforma seja até aprovada, mas o espaço das negociações se estreita e o preço político de cada voto tende a aumentar.
A aproximação das eleições coloca no primeiro plano do tabuleiro político o interesse dos parlamentares que também buscam reeleger-se. O mesmo raciocínio vale para os governadores, que, embora passem na maioria dos casos por imensas dificuldades de caixa, não devem arriscar sua popularidade assumindo a linha de frente de reformas tidas como pouco simpáticas por amplos setores da população.
Tudo o que se falou até aqui diz respeito ao lado, por assim dizer, doméstico dos problemas que Fernando Henrique terá de enfrentar até a eleição. Há outro aspecto, talvez até mais decisivo, que se refere à situação do país no cenário internacional.
A recente crise cambial na Ásia, a despeito do que insistem em dizer os técnicos do tucanato, tornou o Brasil mais vulnerável. O ano de 98 será, nesse sentido, crucial para que o governo sinalize aos investidores que o país continua sendo confiável e mantém mais firmes do que nunca os seus compromissos liberalizantes.
A indicação recente do economista André Lara Resende, um dos criadores do Plano Real, para assessorar a Presidência da República na formulação de reformas que vão da área fiscal à previdenciária, deve ser entendida como um indício claro de que Fernando Henrique pretende retomar em larga escala o projeto inicial de seu governo e, mais do que isso, dobrar a aposta para deixar claro aos investidores internacionais que essa será a diretriz fundamental de seu eventual segundo mandato.
Em termos de estratégia política, a aposta de FHC parece ser coerente e ousada. Resta saber se as idéias do sociólogo-presidente serão capazes de resistir não só às turbulências externas, mas também às pressões sociais de um país que convive com tantas desigualdades e carências.

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