São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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MUDAR PARA NÃO MUDAR

A proposta do governo federal de retirar da Constituição as disposições relativas à segurança pública e dar liberdade aos Estados para tratar do assunto corre o risco de se transformar no melhor caminho para manter a situação absolutamente inalterada.
A chamada desconstitucionalização é a mais recente bandeira do presidente Fernando Henrique Cardoso em uma área para a qual ele deu pouca ou nenhuma atenção em dois anos e meio de mandato. Isso apesar de a segurança pública ter sido 1 dos 5 itens prioritários que nortearam sua campanha eleitoral.
É no mínimo surpreendente que a principal proposta do presidente em uma área essencial para a população seja a de transferir aos governadores a responsabilidade pela solução.
Aparentemente, Fernando Henrique Cardoso só se comoveu com a questão da segurança depois que as deficiências da atual estrutura atingiram proporções gigantescas e chegaram às telas da televisão.
Primeiro, foram imagens de PMs agredindo cidadãos na favela Naval, em Diadema. Depois, a sucessão de desafios à hierarquia provocada por reivindicações salariais da PM.
A primeira reação do presidente a esses fatos foi criar uma comissão, coordenada pelo secretário nacional de Direitos Humanos, José Gregori. Depois de aproximadamente dois meses de trabalho, o grupo apresentou propostas que, em sua maioria, repetem pontos do genérico programa de governo de FHC ou dependem da concordância dos governadores para serem implementadas.
A desconstitucionalização só tornará mais vulnerável a pressões qualquer tentativa de mudança na atual estrutura de segurança pública. A desmilitarização da polícia, que é um dos principais temas em discussão, certamente enfrentará um lobby contrário da PM muito mais intenso nas Assembléias Legislativas do que encontraria no Congresso.
Além disso, a proposta do presidente apresenta a desvantagem de submeter mudanças estruturais na segurança pública a duas etapas dificílimas. Primeiro, haverá a votação da própria desconstitucionalização, que só pode ser aprovada por emenda constitucional, com três quintos dos votos do Congresso.
Posteriormente, os governadores que quiserem, por exemplo, restringir o âmbito de atuação da PM, terão de enfrentar outra votação nas Assembléias Legislativas, com as mesmas, senão maiores, dificuldades.
O presidente Fernando Henrique Cardoso tem dado pouca atenção à segurança pública. Entrou tarde na discussão do assunto quando surgiram problemas e, com a proposta de desconstitucionalização, parece querer retirar-se dela antes da hora.

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