São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Os futurólogos e o "custo Brasil"

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Tudo o que tem lógica é bom para o país? Não se assuste com a pergunta, caro leitor. Não vou querer desafiar a força do cartesianismo num domingo como este...
A pergunta me veio à mente ao ler o livro recentemente publicado pelo Ipea ("O Brasil na Virada do Século", 1997) no qual os seus autores defendem a manutenção da atual política cambial como o principal instrumento para a estabilidade dos preços -o que tem muita lógica, sem dúvida.
Os técnicos do Ipea reconhecem que a defasagem do câmbio é responsável pelos fortes déficits na balança comercial -o que também é lógico. Mas esse reconhecimento é esterilizado pelo raciocínio que segue.
Os autores da obra "garantem" que os déficits são transitórios, pois são frutos de um ajuste estrutural, e que tudo terá um final feliz quando as empresas melhorarem a competitividade e quando se reduzirem os custos dos portos; se ampliar o financiamento das exportações; avançar na privatização; acelerar o crescimento da economia; se fizerem as reformas previdenciária, administrativa e tributária; diminuir drasticamente os juros, enfim, quando se reduzir o chamado "custo Brasil".
Ou seja, tudo se resolverá quando os problemas forem resolvidos...
Ora, desse jeito é muito fácil construir cenários que, no referido livro, vão do lilás ao róseo -um verdadeiro arco-íris. Isso corresponde a dizer que tudo dá certo quando se pressupõe a solução dos entraves atuais.
Tem lógica, sem dúvida. Mas só lógica... Poucos parecem perceber que um problema presente não se resolve com promessas futuras.
Ninguém deseja a volta da inflação. Mas a manutenção da estabilidade de preços, ao longo do Plano Real e com base no modelo atual, custou quase US$ 40 bilhões ao país. São US$ 500 milhões por mês! Até onde o Brasil aguenta?
As previsões do Banco Mundial indicam que o mundo passará por uma fase de franco desenvolvimento, antevendo-se um crescimento médio anual de 3,5% até 2005.
Essa é uma boa notícia. Para o Brasil, significa oportunidades de exportar e aumentar a participação no comércio internacional, o que, internamente, determina a geração de empregos e impostos.
Como tirar proveito dos bons ventos? Esse é o problema. Se vamos esperar as reformas até o ano 2000, 2002, 2005..., não haverá futuro.
É claro que competitividade é importante. Mas, para elevar a competitividade, o combate efetivo do "custo Brasil" depende muito mais dos governos do que das empresas.
Por isso, dizer que tudo se resolverá quando todos os bloqueios forem eliminados tem muita lógica, mas é muito pouco. O país precisa de medidas imediatas no campo do "custo Brasil".
Só assim podemos aproveitar o cenário internacional. O resto é futurologia -sempre bem aceita pelo papel, mas, invariavelmente, de pouco resultado prático.

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