São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Uma Federação deformada

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Estou cada vez mais convencido de que a Federação brasileira não cabe no PIB. As cerca de 5.500 entidades federativas geram despesas maiores do que a sociedade pode suportar, absorvendo todo o esforço nacional na manutenção de estruturas políticas arcaicas, inúteis e multiplicadas por milhares de espaços ocupados pelo corporativismo insensível e pelos políticos interessados apenas na manutenção do poder.
Os jornais noticiaram, nos últimos dias, que quase todos os Estados gastam com mão-de-obra mais de 60% das receitas, estando a União falida, os 26 Estados falidos, o Distrito Federal falido e os 5.525 municípios falidos.
O brasileiro recolhe quase US$ 250 bilhões por ano de tributos, exclusivamente para pagar essa máquina que não presta serviços públicos ou, quando o faz, presta-os de má qualidade.
A vocação natural do Estado Nacional deveria ser ofertar segurança pública, saúde, educação, previdência, assistência social à sociedade, além de razoável administração de justiça, visto que arrecada 31% do PIB, percentual elevadíssimo para país emergente -tais países têm carga tributária média de 20%.
É que nos Estados emergentes a carga tributária é menor porque a sociedade se "autopresta" serviços públicos. Nas nações civilizadas, a carga tributária é maior (entre 30% e 40%), mas o poder público serve adequadamente ao povo em suas necessidades essenciais.
Ora, o Brasil tem carga tributária de país civilizado e serviços públicos de país emergente, com o que a empresa brasileira perde competitividade perante uns e outros, pois é mais onerada que as empresas dos dois tipos de nações.
E tudo isso porque os políticos necessitam da criação de novas entidades federativas para terem representação, e a Constituição de 1988 abriu fantásticos espaços para tais aspirações menores.
Transformou em Estados dois Territórios Federais, que deveriam continuar como Territórios Federais, por não terem densidade econômica própria de auto-sustentação, com o que abriu campo para o surgimento de novos cargos políticos e permitiu a criação incondicionada de municípios.
Nove anos depois, o número de municípios é 30% maior, com o consequente aumento de instituições políticas e administrativas a serem suportadas pelo mesmo povo, pela mesma sociedade.
Quando do lançamento do Plano Real, em dezembro de 1993, o ministro Fernando Henrique apostou na nivelação de todos os índices corretivos da inflação a um só para transformar a moeda de conta em moeda de pagamento (criação da URV em março e do real em julho de 1994), mantendo reservas cambiais elevadas para evitar especulações e zerando o déficit público obtido naquele mês, com uma carga tributária nacional de apenas 27%.
Hoje, a carga tributária é de 31%, mas o déficit reapareceu e se estende por todas as entidades federativas, inclusive a União. Há uma dívida interna de US$ 200 bilhões, além de uma dívida de quase US$ 100 bilhões repassada dos Estados, sobre ser a dívida externa de US$ 170 bilhões, aproximadamente.
Acresce-se déficit público preocupante, além de déficit nas contas externas e na balança comercial, que cresce assustadoramente. É de lembrar, ainda, a indisciplina da vida orçamentária das falsas entidades federativas -criadas apenas para sustentar políticos-, que são mantidas por recursos retirados de outras entidades.
Estou convencido de que as reformas tributária, administrativa, previdenciária, política e do Judiciário são reformas de perfumaria constitucional, visto que, se não houver um encolhimento da Federação -permitindo que permaneçam como Estados apenas aquelas unidades com densidade econômica própria e retornando à condição de Territórios Federais, sem custo político maior, todas as demais que dependem de recursos de outras entidades-, não haverá saída para a crise financeira.
Necessária seria também a reincorporação de municípios sem condições de se manterem com receitas próprias aos municípios de que se desmembraram.
Se a Federação não encolher para caber dentro do PIB, não há reforma que salve o Brasil. O Brasil estará condenado a aumentar sempre a imposição fiscal, para gáudio dos políticos e do corporativismo, beneficiando os produtos estrangeiros, que não sofrem carga tributária cumulativa, e gerando desemprego e sucateamento do parque nacional, sufocado pelas saúvas de tributos que são as entidades federativas.
Há muito venho dizendo que a Federação tem que encolher. Como fazê-lo, porém, se quem governa o país é a minoria da população que detém a maioria do Congresso, sendo que essa maioria política, que representa a minoria da sociedade, é oriunda exatamente dos Estados que não têm condições de auto-sustentação e aos quais, se fossem Territórios Federais, não se ofertaria espaço para "dirigir" o país, por meio do Congresso Nacional?
Enquanto a Federação não diminuir, o país não sairá da crise. Será, todavia, que a maioria dos políticos, que representa a minoria do país, tem interesse em que o país saia da crise?

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