São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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A parceria entre universidade e setor privado

GORDON JOHNSON

O financiamento privado sempre teve um papel importante nas atividades de pesquisa de muitas universidades da Grã-Bretanha, particularmente em Cambridge. Mas a percepção comum é a de que universidades querem fazer pesquisa pura -o atual termo da moda é "blue-sky research" (pesquisa "céu azul"): você não vê para onde vai, não tem certeza dos resultados, pode não haver aplicação imediata.
Qual é, então, o interesse, para alguém que queira desenvolver um determinado produto ou resolver um problema industrial, em apoiar pesquisas cujo resultado é incerto e possa ser irrelevante? Por outro lado, o financiamento industrial distorcerá o objetivo da universidade?
Em outras palavras, qual é o elo entre a pesquisa fundamental, a descoberta de conhecimento novo -que é o que as universidades devem fazer-, e seu emprego na sociedade, que não é necessariamente aquilo com que as universidades devem se preocupar nem algo em que elas são muito boas?
É importante poder responder essa pergunta, porque, a menos que consigamos mostrar que a "blue-sky research" é essencial, nunca caminharemos para uma relação apropriada, mutuamente benéfica, entre a universidade e o setor empresarial, e as universidades parecerão simplesmente mendigos pedindo esmolas.
Uma compreensão adequada dos mundos natural e social está por detrás de qualquer uso do conhecimento.
Neste ano, em Cambridge, comemoramos o centenário da descoberta do elétron, por J.J. Thomson. Em 1897, o professor Thomson, fazendo experiências com corrente elétrica no vácuo, pôde demonstrar que o elétron existe e estimar sua massa. Descoberto e compreendido o elétron -claro, ele estava ali o tempo todo, mas não sabíamos disso-, tornou-se possível verificar suas propriedades e iniciar uma ciência inteiramente nova -a ciência da eletrônica.
Nestes cem anos, a pesquisa pura de Thomson teve vastíssima aplicação: tornou possível a invenção de coisas sem as quais, hoje, não imaginaríamos viver -o computador, o microscópio eletrônico, a televisão, o forno de microondas, os scanners médicos, os lasers e a gravação magnética.
Recentemente, houve muita cobertura na mídia sobre a associação que Cambridge fez com Bill Gates e a Microsoft. Esse é um acordo que envolve o tipo de pesquisa adequado ao ambiente universitário e não está diretamente relacionado a preocupações empresariais imediatas.
Em Cambridge, temos um homem em particular -o professor Roger Needham- cujo trabalho é de grande interesse para toda a indústria de informática. Ele e seus colegas lutam com o problema de como gerenciar dados digitais. Qualquer coisa, hoje, pode ser armazenada digitalmente no espaço de um átomo, mas como isso pode ser organizado e utilizado? Não sabemos, e esse é um problema para a "blue-sky research".
Needham precisa de recursos para abordar o problema sem pressão por resultados determinados. Seu novo laboratório Microsoft, em Cambridge, reunirá os melhores cientistas de computação da Europa na busca de soluções.
"Não estamos apagando incêndios ou fazendo software para depois de amanhã", disse ele. "Estamos aqui para conceber tecnologias que levarão a formas inteiramente novas de ajudar as pessoas. Não sabemos o que serão, mas lembremos que inovações hoje banais foram resultado de pesquisas feitas 20 anos antes de terem aplicação. Agora é a hora de projetar para meados do próximo século."
Esse é um exemplo de como pesquisas que vêm desafiando o pessoal de Cambridge podem receber um impulso extra com recursos de fora, de uma indústria aliada. E a pesquisa pode ter aplicações muito além da área em que o problema original surgiu.
Em Cambridge aprendemos que há muitas formas de a universidade estabelecer vínculos com o setor privado para compartilhar o pesado custo da pesquisa.
Pode haver pesquisa dirigida para a indústria, em que uma empresa diz: "Temos esse problema, tome 'x' mil libras e resolva-o para nós, por favor". Esse é um tipo específico de problema, e de fato as universidades fazem serviços dessa natureza. Mas benefícios muito maiores vêm do tipo de pesquisa, como as de Thomson e Needham, em que é necessário dar ao acadêmico liberdade máxima para pensar e gastar, para gastar e pensar.

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