São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
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Patrocínio cultural é o novo alvo da corrupção

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Recursos de patrocínio e incentivo culturais são o novo alvo de estelionatários que se fazem passar por produtores de arte.
A Polícia Civil de São Paulo investiga, desde fevereiro deste ano, a existência de quadrilhas que atuam nessa área.
A Polícia Federal, segundo apurou a Folha, também tem recebido informações sobre esse tipo de golpe e pode espionar brevemente alguns casos que estão sendo mantidos em sigilo.
Um grupo, ainda não identificado, levou R$ 1,2 milhão dos cofres da Telesp (Telecomunicações de São Paulo), no início do ano.
Grande patrocinador de projetos culturais no Estado, a empresa telefônica desembolsou nesse setor cerca de R$ 22 milhões de 1995 até hoje.
O fato só foi divulgado na última quinta-feira. A direção da Telesp soube que jornalistas haviam tido acesso à informação e resolveu admitir que havia sofrido o desfalque milionário.
Segundo a assessoria da empresa, o sigilo deveu-se a um pedido expresso da Polícia Civil, que temia que a publicidade do caso atrapalhasse as investigações.
O golpe de R$ 1,2 milhão foi praticado, segundo a polícia e a diretoria da Telesp, por um grupo de "dublês" de produtores culturais chamado "Educando e Brincando", uma entidade "fantasma".
O grupo não precisou apresentar nem mesmo um esboço de qualquer projeto. Simplesmente falsificou toda a documentação necessária e recebeu o cheque na conta bancária fornecida para tal fim.
Segundo o advogado Gustavo Augusto de Carvalho Andrade, do Departamento Jurídico da companhia telefônica, a falsificação foi de "alta qualidade" e nenhum detalhe chamou a atenção ou causou desconfiança nos funcionários.
"Sem passar por nenhuma etapa de aprovação do teor cultural do projeto, a documentação chegou pronta, na boca do caixa, para o pagamento", diz Andrade.
Nesse caminho, até o presidente da Telesp, Carlos Eduardo Sampaio Dória, teve a assinatura falsificada, segundo a polícia.
Por conta da facilidade encontrada para o golpe, funcionários do alto escalão da companhia também estão sendo investigados.
Desde que abriu inquérito em fevereiro, a Delegacia Seccional Centro só conseguiu chegar a duas pessoas, de fora da Telesp, que poderiam ter participado do crime de estelionato.
Uma delas, o vendedor autônomo Eder Cavalotti, confessou em depoimento ter entrado na história como "laranja".
No glossário da corrupção, "laranja" é aquele cujo nome, documento e até conta bancária são usados no processo de uma fraude.
Paraná
A conta de Cavalotti no banco Bamerindus (agência Nossa Senhora da Lapa, zona noroeste de São Paulo) foi o destino inicial do dinheiro do golpe.
Lá, o dinheiro ficou apenas alguns dias, ainda em fevereiro. Depois, sumiu. Cavalotti diz que não sabe o novo paradeiro.
O vendedor, que chegou a ser preso para prestar uma série de depoimentos (prisão provisória), conta também que a conta foi aberta pelo seu amigo Wilson Leão, que havia trabalhado como subgerente do Bamerindus.
Em depoimento, Leão alega inocência. A sua defesa também argumenta que ele pode ter sido usado como "laranja".
Tanto Cavalotti como o seu amigo bancário foram indiciados, por crime de estelionato, pela polícia.
O indiciamento não é uma conclusão de que os dois sejam responsáveis pela fraude, significa apenas que a polícia os enquadrou na categoria de "'suspeitos".
No momento, delegados da Polícia Civil, que não querem se identificar, trabalham com a hipótese de o dinheiro ter sido enviado para bancos no Paraná, na fronteira com o Paraguai.
No meio político de São Paulo começaram a surgir especulações, sem nenhuma prova, de que o dinheiro poderia ter sido desviado para a formação de "caixa" de campanha eleitoral.

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