São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
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O LEGADO DE BETINHO

Foi, em larga medida, a ação obstinada de Herbert de Souza, o Betinho, que nutriu em muitos brasileiros o sentimento de que boa parte das políticas públicas voltadas ao enfrentamento das gravíssimas questões sociais no Brasil pecavam -e ainda pecam- pela inoperância.
Talvez como nenhuma outra personalidade pública desvinculada de governos e militâncias partidárias, Betinho soube encarnar em sua vida pessoal e pública algumas das causas sociais de maior apelo popular nos últimos anos.
Cantado por Elis Regina, o "irmão do Henfil" simbolizou inicialmente o clamor pela anistia política nos estertores do regime militar.
Portador do vírus da Aids, o sociólogo foi um dos primeiros a falar abertamente da doença que o acometeria e, com a convicção de que o escamoteamento das dimensões do mal redundaria em seu agravamento, conquistou autoridade e credibilidade para inspirar campanhas de esclarecimento popular sobre a urgência das medidas preventivas.
Na sucessão de novos governos empossados pelo voto popular num Brasil em redemocratização, Betinho soube como poucos demonstrar uma saudável descrença em relação aos belos discursos que, invariavelmente, declaravam altissonantes a "prioridade do social" e que afinal desembocavam em pífias ações.
As campanhas intensivas que comandou contra a fome e a miséria, pouco programáticas e quase despidas de ortodoxia ideológica, pareciam dizer a todo tempo que certas demandas sociais não poderiam esperar por frutos do "longo prazo", anunciados pelas políticas governamentais que eventualmente se dignassem a contemplar a indigência na cidade e no campo.
Por isso, talvez houvesse mais equívocos do que acertos nas críticas dos que denunciavam seu "mero assistencialismo". A abnegação de Betinho provou que o imediatismo também é necessário quando vidas humanas estão à beira do perecimento.

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