São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Sistema de Financiamento Imobiliário

ANTONIO KANDIR

Estabelecer os mecanismos necessários para atender à demanda crescente por financiamento de imóveis está entre os desafios fundamentais do país.
Para tanto, o Executivo encaminhou em 11/6 ao Congresso projeto de lei que cria o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), complementar ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Trata-se de poderoso instrumento de atração de capitais privados para financiar a construção e a aquisição de imóveis. Seu funcionamento deve resultar em mais imóveis financiados e contratos com menor custo para o mutuário.
Diante da acolhida positiva por parte das lideranças partidárias, o projeto chegou à Câmara sob regime de urgência constitucional, que determina que seja votado no prazo máximo de 90 dias. Como o prazo na Câmara já se esgotou, o SFI tem precedência para votação direta em plenário nesse reinício dos trabalhos. É de grande importância que seja aprovado. Vejamos por quê.
O projeto de lei do SFI cria as condições legais para a constituição de um mercado robusto de créditos imobiliários, respaldado em relações contratuais e mecanismos de garantia bem definidos. O desenvolvimento desse mercado permitirá, em pouco tempo, aumentar de 100 mil para 200 mil o número de residências financiadas anualmente, sem contar o financiamento de imóveis não-residenciais. Os efeitos tendem a ser crescentes. Vale registrar que nos EUA o mercado secundário de créditos imobiliários movimenta o equivalente a dois terços do PIB.
Serão, assim, beneficiados amplos segmentos da população, do cidadão desejoso de ter casa própria ao trabalhador da indústria da construção civil, setor que será grandemente estimulado, passando pelo profissional interessado em ter seu escritório, pelo comerciante que almeja uma loja em centros comerciais etc.
As vantagens do novo padrão de financiamento são basicamente três:
- liberdade de contratação entre as partes quanto aos custos e prazos dos financiamentos, o que, desde logo, remove obstáculos que tolhem a propensão de instituições financeiras e construtoras à concessão de crédito;
- maior capacidade de mobilização de recursos, notadamente pela securitização de créditos imobiliários, o que permitirá realimentar o sistema de financiamento com os recursos de grandes investidores institucionais (fundos de pensão, seguradoras etc.);
- redução tendencial dos custos dos financiamentos, seja pelo aumento da oferta de imóveis financiados, resultante da maior mobilização de recursos para investimento, seja pela diminuição dos juros incidentes nos contratos, decorrente do menor risco das operações de crédito no novo modelo.
O "funding" primário do sistema será constituído, como é hoje, de recursos captados por instituições que concedem crédito imobiliário (caixas econômicas, bancos comerciais, bancos com carteira de crédito imobiliário, sociedades de crédito imobiliário etc.).
A primeira diferença é que as instituições originadoras de crédito imobiliários poderão transferi-los e, desse modo, abrir espaço em suas carteiras para novas operações de financiamento imobiliário, o que hoje só conseguem fazer em escala muito limitada.
Para que a transferência do risco de crédito se realize em larga escala, cria-se a figura jurídica da Companhia de Securitização Imobiliária, uma sociedade aberta cujo propósito específico será adquirir créditos imobiliários, padronizá-los (com identificação do devedor, valor nominal do crédito etc.) e pô-los em transação no mercado secundário de títulos privados.
Os investidores institucionais, por gerirem passivos de longo prazo e infensos a risco, serão demandantes naturais desses títulos. Para garantir-lhes a padronização, requisito essencial para sua ampla aceitação no mercado, o projeto de lei cria a figura jurídica de um novo título -o Certificado de Recebíveis Imobiliários, que poderá ser remunerado com taxas de juros fixas ou flutuantes.
Esse título, lastreado em créditos imobiliários, poderá constituir patrimônio à parte do patrimônio comum da companhia securitizadora, para que o investidor tenha segurança total de que, mesmo no caso de insolvência da companhia, irá resgatar o papel e receber integralmente a remuneração.
Para completar a engenharia do sistema, o projeto de lei estende a aplicação do contrato de alienação fiduciária às transações com bens imóveis, como já ocorre no caso de bens móveis (carros, eletrodomésticos etc.).
Pelo contrato de alienação fiduciária, a propriedade do bem só passa integralmente ao devedor quando este tiver quitado a dívida por completo. Esse tipo de contrato é fundamental para que quem tenha recursos se sinta seguro para emprestá-los (no contrato com base na hipoteca do imóvel, a insegurança deriva da demora e dos altos custos na execução da garantia).
É bom esclarecer que não se trata de um instrumento draconiano. Ao contrário, é um instrumento que facilita a contratação de empréstimos e reduz a taxa de juros, porque diminui o risco do credor. Ajudará a que haja mais financiamento e mais barato.
Além disso, o projeto prevê um árbitro para dirimir controvérsias entre credor e devedor, evitando que aquele tome decisões unilaterais. No caso de retomada do imóvel, o credor terá que levá-lo a leilão, devolvendo-o ao mercado, e o devedor poderá negociar a parte já quitada do financiamento.
Em resumo, a aprovação do projeto permitirá a implantação de um sistema capaz de elevar em muito o volume de recursos para o financiamento imobiliário. Dado o estágio já avançado de preparação do setor privado, os efeitos serão quase imediatos, reaproximando-nos em pouco tempo do volume verificado antes da grave crise do SFH.
À medida que amadureça, no entanto, o SFI, somado aos efeitos positivos do saneamento em curso do SFH, permitirá à sociedade contar com disponibilidade de recursos jamais experimentada. Será assim possível responder, de modo pleno, às demandas da população e às necessidades de crescimento.

Texto Anterior: Betinho
Próximo Texto: Lógica econômica e falência moral
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.