São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lógica econômica e falência moral

CLÁUDIO WEBER ABRAMO

A Transparência Internacional divulgou seu Índice de Percepção de Corrupção para 1997. Preparado por Johann Graf Lambsdorff, professor da Universidade de Gõttingen, trata-se de uma lista que relaciona 52 países no que se convenciona chamar de ranking da corrupção. O índice é compilado a partir da reunião de sete levantamentos de opinião promovidos por entidades diversas.
A cada país é atribuída uma "nota" de zero a dez. Quanto maior a percepção de corrupção associada a um país, menor é sua "nota" e mais baixa sua posição no ranking.
No ranking de 1997 (o terceiro), o país menos corrupto é a Dinamarca ("nota" 9,94); a Nova Zelândia, primeira nos dois anos anteriores, ficou com o quarto lugar (9,23).
No outro extremo, o país mais corrupto é a Nigéria ("nota" 1,76, o que lhe dá, pelo terceiro ano consecutivo, o último lugar). Seguem-se Bolívia, Colômbia, Rússia capitalista, Paquistão, México etc.
O Brasil ocupa o 36º posto, com "nota" 3,56, praticamente repetindo o desempenho dos últimos anos.
Embora cada fonte empregue metodologia própria, todos os levantamentos são realizados junto aos executivos de empresas que realizam negócios internacionais. Eles procuram responder a perguntas a respeito da vulnerabilidade à corrupção das estruturas governamentais dos países com que negociam.
Desse modo, é evidente que o ranking tende a favorecer os países exportadores e desfavorecer os importadores.
Uma reflexão que caberia fazer é a seguinte: como não existe corrompido sem corruptor, uma "nota" muito baixa atribuída a países importadores só pode ter sido atingida porque muitos países exportadores agiram "corruptivamente". Logo, essa "nota" baixa poderia ser mais ou menos liberalmente distribuída pelos países desenvolvidos, o que reduziria suas próprias "notas".
Outra coisa que o ranking da Transparência Internacional não mede é a corrupção "interna" dos países, ou seja, o grau em que práticas ilícitas intervêm nas relações econômicas e sociais.
Para os brasileiros (como para qualquer outro povo), é óbvio que esse é um tema muito mais importante. Sem pretender minimizar os prejuízos decorrentes da vulnerabilidade ao corruptor externo, são as práticas internas de corrupção as que mais interferem na vida cotidiana.
Tais comportamentos não dizem respeito exclusivo à relação entre o público e o privado -embora, em termos de prejuízos econômicos, correspondam à parte do leão. Eles condicionam também as relações privadas.
Há inteiros segmentos de atividades privadas (toda empresa sabe quais são) que se movem à base da corrupção, seja de clientes, seja de fornecedores. Em certos casos, a troca de propinas é aceita institucionalmente. Quem paga por isso é o público, pois o custo da corrupção se reflete necessariamente nos preços dos produtos e serviços.
A tendência dominante é considerar que os atos de corrupção decorreriam de reações dos ofertantes a exigências dos compradores. Ou seja, uma simples questão de lógica econômica, em que a moral deixa de ter papel. O corruptor resulta como que inocentado.
Mas o corruptor é tão corrupto quanto o corrompido. Se levarmos em conta a força do poder econômico e sua maior capacidade de realizar escolhas, poderíamos dizer que é ainda mais corrupto.
Pensar conforme a "lógica econômica" é, decerto, navegar a favor da corrente dominante em nossa sociedade. Isso, porém, não absolve da renúncia à obediência aos princípios éticos e ao comportamento moral, sem a qual nenhuma sociedade pode sobreviver.

E-mail: wabpnz@dialdata.com.br

Texto Anterior: O Sistema de Financiamento Imobiliário
Próximo Texto: É o presidente?; O que falta; Ditadura do capital; Elites suicidas; Nenhum pretexto; Limite; Benefício e custo; Sem patrimônio; Velha conhecida; Pai inadimplente; Protecionismo; Para a lista; Pelé x Havelange; Discussão inútil; Triste lição; Resposta; Jacarés; Franco x Loyola
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.