São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 1997
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Deputado confirma 'aluguel' de cargo

LUCIO VAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O deputado federal Chicão Brígido (PMDB-AC) confirmou ontem à Folha que fica com parte da verba de R$ 20 mil destinada à contratação de funcionários de seu gabinete.
Disse que esse dinheiro é dividido entre a "militância do partido" e cabos eleitorais.
Brígido também confirmou que pediu à então deputada Adelaide Neri (PMDB-AC), sua suplente na Câmara dos Deputados, o repasse da metade da ajuda de custo da convocação extraordinária de julho. Afirmou que usaria o dinheiro para pagar "contas de campanha".
O deputado disse que não vê irregularidade nesses procedimentos. "Não se trata de uma questão de regularidade. Você tem responsabilidade com um mundo de gente. Você vai fazer o quê?"
A Folha obteve uma gravação onde Brígido afirma a Adelaide que fica com R$ 8 mil dos R$ 20 mil disponíveis para contratar funcionários.
Na conversa, ele pede que a então deputada repasse os R$ 12 mil da convocação extraordinária de julho.
Adelaide havia assumido o mandato em 6 de maio. Não aceitou repassar a verba da convocação. Brígido reassumiu o mandato no dia 7 de agosto.
A seguir, a entrevista concedida por Brígido:
*
Folha - Esse dinheiro da convocação, que o senhor e a deputada falam na gravação, em que seria usado?
Chicão Brígido - Veja o seguinte, companheiro Lucio, antes de eu me afastar do Congresso, antes de eu vir para a Secretaria Especial, eu conversei com a professora Adelaide Neri, discutimos compromissos políticos futuros e disse: "Deputada, o que eu quero que a senhora me ajude é o seguinte: eu estou com dívidas na Varig.
Então, da cota de passagem do gabinete, a senhora vai ter que me repassar a metade, para ir ajudando a pagar essa dívida que eu tenho. E, quando precisar uma passagem, a senhora vai me dar".
Aí, eu coloquei: "Nós estamos com contas de campanha e, se o partido não me ajudar a sanar essas contas, eu quero que a senhora me ajude".
Pedi a ela em forma de ajuda. "A senhora fica com uma convocação e eu fico com a outra convocação."
Folha - A convocação é R$ 12 mil?
Brígido - É, exatamente. No caso, ela dividiria essa convocação. Até porque eu não teria nenhuma necessidade de conversar com essa mulher de forma antiética, porque eu estava discutindo uma coisa que é minha.
Eu não tenho como ser ladrão de mim mesmo. De maneira nenhuma eu iria ferir os meus princípios.
Folha - Por que ela não quis, depois, ceder parte da convocação?
Brígido - Essa mulher já estava tramando, tentando denegrir a minha imagem. Ela estava gravando as coisas, e tal.
Ela achava que eu não retornaria para o cargo. Ela disse: "Eu ouvi conselho de uma colega deputada, que disse para eu não repassar nada para você".
Eu disse: "Eu não estou querendo que a senhora repasse nada para mim. Só que eu tenho compromissos, tenho dívidas. E o partido não teve condições de me ajudar. A senhora não acha que está sendo injusta comigo?".
Ela bateu o telefone na minha cara. Você sabe que tem duas formas de analisar uma questão dessas. Eu não preciso disso. O titular do mandato sou eu. Se tinha alguém que tinha precisão de falar de forma irresponsável era ela. Eu sou dono do mandato.
Folha - Na gravação, o senhor fala que, dos R$ 20 mil, o senhor administra R$ 8.000. Para que é esse dinheiro?
Brígido - É o seguinte: uma parte do dinheiro do gabinete é dividida para você manter a militância do partido, para você fazer certos gastos que são próprios de campanha, são próprios do político.
Folha - O senhor repassa para algum cabo eleitoral?
Brígido - Exatamente. Várias pessoas, além das que estão cadastradas no gabinete recebem. Você tem não sei quantas pessoas que você tem que ajudar. Foi isso que ela não entendeu. Ela sabe, ela sabe.
Folha - A Neide (Marineide) tem uma procuração dos outros funcionários do gabinete para retirar o dinheiro?
Brígido - É diferente. A procuração que a Neide tem é de pessoas normais que recebem do gabinete. A pessoa não está lá e passa essa procuração.
Folha - A Neide fez um pagamento para a empresa Takeda. O que é isso?
Brígido - A Neide, quando recebeu esse pagamento, ela deve ter repassado alguma coisa. Ela tinha que repassar para a minha conta.
E eu devo ter mandado ela repassar para pagar algum débito meu.
Folha - Não é irregular o senhor usar parte da verba de R$ 20 mil para pessoas que não são cadastradas na Câmara?
Brígido - Não se trata de uma questão de regularidade. O problema é o seguinte: você tem responsabilidade com um mundo de gente.
Você vai fazer o quê? Essa é uma questão difícil de você analisar. Você tem, por exemplo, 15 ou 20 pessoas que estão ali do teu lado, que são militantes e de uma certa forma te ajudam... porque não trabalham com você só as pessoas que estão no gabinete.
Um deputado tem um monte de gente por trás dele.

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