São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 1997
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Onda Madonna de aparecer nua por dinheiro

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Mulher vendida ou que se vende não incomoda mais. Mal se notou a mudança rápida, mas sutil, que deu status de heroínas pós-modernas, à la Madonna, a mulheres que há pouco tempo, nuas em capas de revistas, seriam "sem-vergonhas" fáceis e vulgares, prostitutas de luxo.
O caso de Débora Moura Rodrigues, a moça do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) convidada a posar nua para uma revista masculina, aproximou essa realidade das mulheres comuns, que não são estrelas de televisão.
Tanto feminismo para nada!, dirá a maioria feminista que ainda chama de "coisificação" patriarcal do corpo a publicação comprada da nudez feminina em revistas de homens.
Ou: maior prova de emancipação feminina não há, dirá uma minoria, que enxerga nisso apenas uma maneira legítima de conquistar o dinheiro "macho", poderoso, o muito dinheiro antes (e ainda) inacessível às mulheres.
Setecentos mil reais! É o que se comenta ter ganho a atriz Marisa Orth para posar nua para o mais recente número da revista "Playboy".
Ninguém na sala -onde três mulheres conversavam sobre o assunto- discutiu o fato de a atriz estar ali também (ou principalmente) por fazer o personagem estereotipado de uma mulher bonita e burra em programa de televisão.
-Você posaria? -perguntei à atriz da sala.
-Não sei. É complicado. Só se não tivesse que arreganhar. Mas acho que não. E você?
-Por setecentos mil? Posaria agora. Juro que posaria. Qualquer uma posa.
-Ah, não -a outra mulher da sala, lésbica, interrompeu-, não é simples assim. É minha intimidade, meu corpo. Eu não posaria -completou, com certa reserva, com vago incômodo ou temor do desconhecido, o mesmo que mulheres lésbicas parecem demonstrar pela personalidade e pelo sexo dos homens.
Quanto à atriz, bastou esticar um pouco a conversa, pressioná-la daqui e dali, para ver que seria a primeira a posar. Um convite desses, para atrizes, estimula o irresistível fascínio delas pela estética, a relação narcísica com o corpo.
O surpreendente era constatar que nenhuma das três tinha qualquer conflito moral com a idéia. E, mais ainda, que maridos e namorados ficavam em segundo plano na decisão, até porque nem se cogitava um freio machista diante de tanto dinheiro à vista.
Mulheres da política erótica pós-feminismo, como diria a feminista americana "light" Susan Bordo. Para ela, a heroína pós-moderna dessa nova política erótica é a cantora Madonna, figura cultural subversiva, que se recusou a construir a imagem do passivo objeto do desejo patriarcal.
Pelo contrário, sua sexualidade teria antes afrontado do que rejeitado o olhar masculino, provocando-o com seu próprio olhar, deliberadamente desleixado e vulgar, desafiando qualquer um a chamá-la de puta e, em última análise, não dando a mínima para o que pensassem dela.

E-mail mfelinto@uol.com.br

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