São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 1997
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Receita quer ter acesso a cartão de crédito

LUIZ ANTÔNIO RYFF
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

DENISE CHRISPIM MARIN
Defensor da quebra de sigilo bancário, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, quer ir mais fundo. Quer que o fisco tenha acesso irrestrito a qualquer informação que dê indício de renda, incluindo aí o cartão de crédito.
Também sonha com o sequestro de contas de quem não paga imposto. Tudo para aumentar a arrecadação, que cresceu 68,75% nos últimos três anos.
Enquanto isso não ocorre, o fisco trabalha em uma mudança no CPF para o próximo ano e, na preparação do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, considerou inaptas 2,3 milhões de empresas.
Sinais de que o "leão" está mais feroz? Não é o que afirma Maciel, que, na última declaração de Imposto de Renda, ensinou os contribuintes como pagar menos.
"O leão está se civilizando", diz Maciel, que afirmou em entrevista à Folha que a Receita não vai confiscar os produtos dos sacoleiros.
*
Folha - Segundo a Folha publicou, a Receita está investigando contratos de shows internacionais. Tributaristas afirmam que é difícil detectar subfaturamento nesses contratos. O que o sr. acha?
Everardo Maciel - Todo trabalho de fiscalização é difícil. Mas qualquer um com bom senso sabe, nesse caso, quando o valor está longe de um pagamento normal.
Folha - É possível detectar fraude sem quebra de sigilo bancário?
Maciel - Quebra do sigilo é, em muitas circunstâncias, indispensável à fiscalização. No Brasil, o sigilo foi usado para proteger fraudadores, sonegadores e contrabandistas. Se o que o indivíduo gastou é assunto dele, informar o que ele movimentou é interesse dele e do fisco.
Mais do que isso. O fisco deve ter acesso irrestrito às informações indiciárias de renda, como movimentação de cartão de crédito.
Folha - E se paraísos fiscais tiverem sido utilizados nos contratos?
Maciel - Isso se resolve com uma boa tributação na remessa de dinheiro. Isso é indispensável. Paraíso fiscal é um vírus do sistema tributário mundial. São falsos países que servem como base para fraudadores acumularem renda.
Para isso criamos a legislação do preço de transferência, que fiscaliza a transferência de renda ao exterior via preços, na importação e na exportação, tributando pelo IR.
Folha - A Receita está interessada na transferência de jogadores de futebol envolvendo paraísos fiscais? Ronaldinho, por exemplo.
Maciel - A venda do Ronaldinho interessa ao fisco espanhol. Mas é evidente que qualquer transação envolvendo paraíso fiscal está relacionada a lavagem de dinheiro combinada com sonegação, ou mesmo narcotráfico.
Posso dizer que a Receita está examinando esse assunto com muito cuidado. É preciso lembrar que clubes de futebol têm isenção. Isso devia ser alterado. Favor fiscal está sempre vinculado a fraudes.
Folha - Como é o projeto da Receita sobre a quebra de sigilo?
Maciel - Nossa meta é finalizá-lo neste mês. Ele deve ser combinado com um projeto de direitos do contribuinte, que é uma idéia ainda não acabada. Ele definiria a que o contribuinte teria direito e a que ele não teria, e o que o Estado poderia obter do contribuinte, incluindo a matéria sigilosa.
Tenho feito um esforço para estabelecer uma relação respeitosa com o contribuinte, fazendo com que a Receita seja partícipe de um processo de cidadania fiscal.
Quem usou o disquete no IR deste ano pôde observar que, em certas circunstâncias, ele informava a alternativa de declarar pagando menos imposto. Não é da tradição brasileira o fisco informar como pagar menos imposto.
Folha - Quem ouve o sr. falar deve pensar que o "leão" amansou...
Maciel - O "leão" civilizou-se.
Folha - Quais são as prioridades?
Maciel - Nossos esforços são o aprimoramento da administração tributária, como a reestruturação de sistemas, reestruturação de cadastros. Em transmissão de declarações houve um progresso imenso. Tínhamos, quando cheguei, 6,7 milhões de declarantes; hoje, temos 8,7 milhões. Meio milhão de contribuintes fazem a declaração pela Internet. É um trabalho de saneamento fiscal.
Folha - E quanto já foi saneado?
Maciel - Em 94, a arrecadação chegava a R$ 64 bilhões. Neste ano chegaremos a R$ 108 bilhões. Tivemos um aumento muito grande de alguns impostos, principalmente do IR da pessoa jurídica. Neste ano, pela segunda vez, a arrecadação do IR da pessoa jurídica será maior do que a da pessoa física.
Folha - O sr. acredita que ainda se sonega muito no Brasil?
Maciel - Se sonega muito, mas não sei quanto. Um problema é a complexidade da legislação. Também conta a desigualdade de tratamento, quando um paga e outro não. A generalidade da cobrança de impostos é indispensável.
Outra razão é a incapacidade do fisco em compreender a informalidade. Frequentemente, os planejadores querem maximizar a justiça e tornam os impostos complexos. Os contribuintes não pagam porque não entendem. A fiscalização é difícil e induz à sonegação.
Folha - Existe uma cultura da sonegação no Brasil?
Maciel - Existe um culto à esperteza. Criamos uma imagem lamentável, a do bom malandro. Malandragem ou esperteza é o privilégio de alguém em detrimento de outrem.
Folha - Quais as maneiras de a Receita aumentar a arrecadação?
Maciel - São muito limitadas. Porque restaram as questões ligadas a isenção e incentivo fiscal. Isso aponta na direção de um problema, a revisão do federalismo fiscal brasileiro.
Não sou favorável a aumentar a autonomia dos Estados. O Brasil é excessivamente descentralizado do ponto de vista tributário. Não existe nenhum outro país que tenha município como entidade federativa. Município no Brasil, frequentemente, é uma ficção. Dos 5.500 municípios, pouco mais de 300 cobram ISS.
Folha - A Receita não pretende mudar a legislação?
Maciel - A estabilidade econômica precisa se combinar com outras formas de estabilidade. Uma delas é a da legislação fiscal. O contribuinte do IR não pode, a cada ano, tomar o susto de ter uma nova legislação editada no dia "32 de dezembro" para vigorar no dia 1º de janeiro subsequente. É insensato. Neste governo, acabou isso.
Folha - A Receita está preocupada com a bagagem dos turistas?
Maciel - Nossa preocupação não é com o cidadão comum. É com quem vai ao exterior fazer compras para comercializar na volta.
Folha - Quem exceder e não declarar o limite de US$ 500, e for pego, terá o material confiscado?
Maciel - Não. Será autuado no excesso e multado em 75%.
Folha - Existe um perfil do sonegador no país?
Maciel - Sonegador não tem preferências de classe ou profissionais. É um homem de mil caras.
Folha - Como seria o fisco ideal?
Maciel - Com um sistema de declaração aprimorado. Espero criar, a partir de 1º de janeiro, o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Fizemos uma limpeza grande, declaramos inaptas 2,3 milhões de empresas. E, agora, 2,7 milhões de empresas vão passar pelo mesmo procedimento. É uma depuração de cadastro.
Faremos a mesma coisa com o CPF, que nunca sofreu uma depuração. Há 104 milhões de pessoas inscritas e algumas características exóticas. Temos mais de 200 mil pessoas com cem anos.
Folha - E como será o recadastramento do CPF?
Maciel - Refazer significa convalidar tudo que está regular. Você é um contribuinte que declara todos os anos e está com uma situação fiscal regular. O que vou lhe oferecer é um novo cartão. Um cartão diferente com o seu mesmo número. Queremos mudar a cara do CPF no próximo ano.
Folha - A Receita ideal deveria ter um poder maior? O fisco norte-americano tem poder de polícia. Isso seria bom para o Brasil?
Maciel - A coisa mais importante deles é a capacidade de sequestrar as contas de contribuintes inadimplentes. Acho que esse arrolamento administrativo de bens não é uma idéia desprezível. Simpatizo com ela. Hoje não é possível. O segredo dessas coisas é que elas sejam justas, feitas com cautela e usadas com parcimônia.
Folha - A Receita prepara algo?
Maciel - Not yet (ainda não).

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