São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 1997 |
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Mehta enche Municipal de música extraordinária Zubin ARTHUR NESTROVSKI
Pode soar estranho destacar Richard Strauss num concerto com Mozart e Brahms. Mas o poema sinfônico "Till Eulespiegel" (1895) foi o ponto alto na apresentação da Orquestra Filarmônica de Israel, domingo à noite, no Teatro Municipal. Em contraste com o virtuosismo e vivacidade da orquestra no Strauss, a "Sinfonia 40", de Mozart (1756-1791), soou um tanto pesada e à antiga. Indiferente a tudo que se tem feito, em termos de sonoridade e articulação, nos estudos da performance "autêntica", o Mozart de Mehta preserva uma tradição de interpretação que aproxima Mozart de Beethoven. E a maior virtude dessa orquestra -a coragem e confiança para modelar grandes massas sonoras em conjunto- acaba ressaltando esse Mozart beethoveniano e anacronicamente moderno. Zubin Mehta é sempre um regente muito fluente e seguro. Rege tudo de memória, como se não houvesse dificuldade em coordenar uma centena de músicos por alguns milhares de compassos, em mais de uma hora de música. Mas o que seu Mozart ficou devendo, no fundo, é algo que ele não chega mesmo nunca a dar: a iluminação própria, uma perspectiva nova, capaz de reinventar o conhecido. É um regente de brilho, mais do que de gênio. A parceria com a orquestra funciona à perfeição. Pois a filarmônica é uma orquestra impecável, absolutamente integrada e com um sentido raro de direção. Mas, exceto os sopros e as trompas, não chega a ter um som memorável. Oxalá houvesse mais orquestras como essa. Não seria justo menosprezar um conjunto capaz de tocar a "Primeira Sinfonia", de Brahms (1833-1897), como a filarmônica tocou. O início e o fim, em particular, duas vastas sequências de acordes, encheram o Municipal com essa música extraordinariamente inteligente e expressiva. A monumentalidade de Mehta não se preocupa com essas finezas da musicologia; e talvez nem deva mesmo, não é mais o seu mundo. Strauss (1864-1949) fica entre as felicidades líricas de Mozart e o artesanato reflexivo de Brahms. O resultado vai da transcendência ao kitsch, muitas vezes no curso de uma mesma peça. Dois comentários breves, para terminar. É quase um conforto pensar que hoje, enquanto o resto de nós estiver atrelado à rotina, essa orquestra estará nalgum outro teatro, fazendo música assim. De alguma forma, eles nos justificam. E não deixa de ser um sinal esperançoso, neste fim de século, ver uma orquestra de músicos israelenses, regida por um indiano, tocando obras de compositores austríacos e alemães. Talvez seja demais imaginar outro concerto em breve no Municipal com um solista palestino. Mas tanta coisa de extraordinário já aconteceu naquela parte do mundo que a gente pode até se permitir um momento de fraqueza; quer dizer, de otimismo. Texto Anterior: 'Novo disco tem melhores canções', diz Liam Próximo Texto: 64 foi um pesadelo de realidade que pode voltar Índice |
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