São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 1997
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Quadro negro

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nota-se cada vez mais a preocupação pessoal do presidente da República em estar presente às inaugurações de obras durante a próxima campanha eleitoral.
Primeira pergunta: que obras? Há alguma Itaipu, alguma ponte Rio-Niterói, alguma Belém-Brasília, alguma siderúrgica em construção? Que eu saiba, o que pode existir são obras fragmentadas, sem organicidade, emergenciais. Nem os buracos das estradas estão sendo tapados de forma sistemática e racional.
Não havendo obras, percebe-se que o presidente deseja apenas aumentar sua visibilidade eleitoral. Não visitará o pujante município de São José das Três Ilhas como reles candidato, igual ao Enéas, mas como presidente da República. E, como tal, inaugurará uma máquina de lavar roupa na creche local ou um novo quadro-negro no grupo escolar mantido por uma ONG qualquer.
Com isso, poderá usar não apenas o avião presidencial, mas toda a logística do poder federal. Mesmo assim, com todos os recursos e vantagens de que disporá, todos sabemos que ele só terá chance se a estabilidade da moeda for mantida. Ela será o cabo eleitoral decisivo. Representará o tudo e o nada em sua aspiração continuísta.
Para conseguir um cabo eleitoral eficiente, qualquer político sabe o preço que deverá pagar. São favores em espécie ou em prestação de serviços. A estabilidade da moeda custa um preço dramático a milhões de brasileiros. Temos hoje a inflação igual à de 1951, quando éramos uns 50 milhões de brasileiros. Hoje, somos três vezes isso.
Com a tecnologia e a globalização (que são inevitáveis como a lei da gravidade), o mercado de trabalho tenderá a ser menor do que o de 1951. A função de um governo não será a de cumprir a lei da gravidade; ela não precisa da ajuda de ninguém para ser inexorável, fatal. A obrigação do governo é criar motores e mecanismos que impeçam a sociedade de cair no abismo da miséria.

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