São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 1997
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O BC e a inadimplência

LUÍS NASSIF

O aumento da inadimplência no sistema bancário -detectado pela Fundação Getúlio Vargas, segundo o "Jornal do Brasil" de ontem- é indicativo eloqüente da inadequação do sistema de regulação adotado pelo Banco Central. E aponta para necessidades de reestruturação na sua forma de agir.
O BC é o gestor da moeda. Os bancos, o meio pelo qual a política monetária flui. Os clientes, o alvo final desse processo.
Se quer reduzir a atividade econômica, o BC aumenta os juros de seus títulos ou o compulsório recolhido dos bancos. Com menos dinheiro, os bancos elevam os juros. Com mais juros, os clientes vão tomar menos recursos e manter menos estoques; os financiamentos vão encarecer e assim por diante. O resultado final é a queda da atividade econômica.
Pode-se derrubar a atividade econômica induzindo as empresas a reduzir seus estoques; ou quebrando metade delas. Empresa quebrada não compra.
O resultado sobre a demanda agregada é o mesmo. O resultado sobre a estrutura econômica é o mesmo que separa o cirurgião do açougueiro.
Ocorre que, para o universo de análise do BC, existem apenas bancos e indicadores bancários. Ele só analisa o cliente final a partir de estatísticas de inadimplência. Não existe nenhuma forma de acompanhamento da liquidez e do nível de endividamento das empresas. Não existe nenhum indicador confiável que revele a maneira como o crédito chega às empresas.
Não pode ser isso. A missão do BC deve ser assegurar que o crédito chegue na outra ponta com o mínimo de distorção possível, para que a queda da demanda agregada se dê sem sacrifícios inúteis.
A crise de 95
Essa falta de informações, e essa inadequação do foco de análise, levaram em 1995 a uma política monetária irresponsável e inútil.
A coluna ficou careca de alertar que, desde janeiro, eram visíveis os sinais de aumento da inadimplência entre pessoas jurídicas e físicas. Não havia estatística. Era "feeling" puro e observação do que ocorria em diversos pontos do país.
Dentro desse contexto, bastaria o BC ter puxado levemente as taxas de juros, para os devedores serem levados a retornar aos patamares anteriores de créditos e estoques, e ter-se uma redução da atividade econômica sem sacrifícios inúteis. Em vez disso, elevou os juros a níveis irresponsáveis, gerando enorme passivo circular.
No final do ano, voltei a insistir na necessidade de se adotar uma política que resolvesse de maneira sistêmica esse endividamento circular. Endividamentos dessa ordem não desaparecem na fumaça. De nada adiantou.
Os bancos passaram a girar esse passivo, renegociando em prazos mais largos. As empresas que se endividaram tiveram que fazer esforço redobrado para se equilibrar operacionalmente, e ainda dar conta do passado. E não estão dando conta.
Os bancos passaram a ampliar o "spread" cobrado dos adimplentes, como forma de se ressarcir dos prejuízos dos inadimplentes. Basta uma queda na atividade econômica -como a que vem ocorrendo- para o velho fantasma da inadimplência passar a rondar novamente o Brasil de norte a sul.
Mais uma vez o BC se valerá de instrumentos contábeis, que levem em conta exclusivamente a solidez do sistema bancário -não da sua clientela. Obrigará ao aumento da provisão para devedores duvidosos, sem se debruçar sobre o alvo final desse processo: o devedor.
Nas propostas de mudança do BC, um dos pontos centrais é redefinir, primeiro, seu cliente -que é o tomador final, não o sistema financeiro. Em função disso, seu objetivo. Função de banco central não é apenas garantir a liquidez em seu sentido amplo -por meio da análise do comportamento dos grandes agregados financeiros-, mas trabalhar permanentemente para entender o processo de distribuição do crédito, e reduzir as distorções que vitimam inutilmente empresas e pessoas físicas.
Ivan Lins
O uso hermético de uma expressão da minha cidade -"de matar"- deixou alguns leitores confusos sobre o CD "Ivan Lins e Noel Rosa". A expressão significa que achei um grande disco.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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