São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 1997
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Um gesto contra a CUT de um homem só

RICARDO BERZOINI; JOÃO VACCARI NETO

O atual presidente, Vicentinho, privilegia a sua visibilidade em detrimento das estratégias coletivas
RICARDO BERZOINI e JOÃO VACCARI NETO
A Central Única dos Trabalhadores é, seguramente, o mais importante instrumento de luta construído pelos trabalhadores brasileiros. Em seus 14 anos de vida, a CUT acumulou um imenso patrimônio político, sendo uma das entidades mais destacadas na luta pela democracia e em defesa da cidadania de milhões de excluídos.
A história da CUT e sua credibilidade -conquistada com o esforço de milhares de trabalhadores, entre eles os bancários- exigem, no nosso entendimento, cada vez mais responsabilidade e compromisso dos seus dirigentes.
Mas não é o que tem acontecido nestes últimos três anos. A participação nas decisões, a democracia interna e o debate de idéias foram substituídos pelo personalismo, que tem sido a marca da autoritária gestão do atual presidente, o companheiro Vicentinho, ao privilegiar sua visibilidade individual em detrimento da construção coletiva das estratégias.
Alguns acontecimentos evidenciam claramente essa postura, como as negociações sobre a reforma da Previdência. Havia uma série de pontos de que a CUT não poderia abrir mão. Vicentinho, porém, anunciou pela imprensa que havia chegado a um acordo com o presidente FHC. Com isso, colocou em risco a defesa de conquistas como as aposentadorias proporcional e por tempo de serviço.
Em maio do ano passado, os dirigentes sindicais foram surpreendidos com o anúncio, durante a manifestação do Dia do Trabalho, na avenida Paulista, de que faríamos greve geral no mês seguinte. A convocação, por vontade pessoal de Vicentinho, criou um fato consumado, que impediu o debate interno, restringindo-o a quem era contra e quem era a favor da decisão.
Ignorando que as ações sindicais devem ser iniciativas coletivas, vimos o presidente de uma das maiores organizações de trabalhadores do mundo fazer greve de fome de 24 horas (o que mais lembrou um jejum) e, com essa atitude, dar um caráter individual de protesto contra uma postura do governo que atingia a todos os trabalhadores, que era o desrespeito à Convenção 158 da OIT.
O autonomismo de Vicentinho ficou patente no processo sucessório da CUT. Suas idas e vindas sobre a decisão quanto a ser candidato a deputado federal em 1998 ou reeleger-se na CUT possibilitaram todo tipo de especulações e desgaste político de companheiros, inviabilizando a discussão e as críticas ao seu mandato.
Finalmente, fomos contemplados com o "Dia do Fico", com imposições de caráter administrativo e de teses -algumas que não foram discutidas na sua própria corrente política, mas que já começam a aparecer nos jornais, e outras cujos assuntos já estavam para ser debatidos no Congresso Nacional da CUT. Por isso, não haveria o menor sentido em colocá-las como condição de permanência.
Preocupa-nos muito que a Articulação, corrente política majoritária e responsável pelas teses hegemônicas de uma central de massas respeitada como a CUT, aceite esse tipo de situação sem minimamente questionar que tipo de direção queremos.
O Sindicato dos Bancários de São Paulo não aceita nem vai compactuar com o silêncio e a passividade. Não temos a menor confiança em que a solidariedade e o compromisso coletivo venham a prevalecer na próxima gestão. Se o companheiro Vicentinho descolou-se demais do coletivo e privilegiou ações pessoais, muitas vezes despolitizadas, isso só tende a se agravar no futuro.
Preferimos prosseguir nossa trajetória de construção da CUT e de fortalecimento da luta dos trabalhadores, abrindo mão do que parece ter se tornado o referencial para boa parte dos dirigentes, que é a disputa de cargos na direção.
O pluralismo, a visão classista, a democracia e a solidariedade foram as bases fundamentais em que se assentou a construção da CUT, permitindo a convivência de tantas diferenças. Acreditamos que é sobre essas bases que ela deve prosseguir, tendo em vista a sempre necessária unidade da classe trabalhadora.
Queremos construir a CUT de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Não aceitamos a central de um homem só.

Ricardo Berzoini, 37, é presidente do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região.
João Vaccari Neto, 38, é diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo e secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores.

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