São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Traficantes distribuem lotes invadidos

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Traficantes do complexo de favelas da Maré (zona norte do Rio) distribuíram gratuitamente nas três últimas semanas lotes de terra para 2.000 famílias sem casa própria. O beneficiado ainda recebe material para iniciar a obra. A comunidade que surge tem até nome. Foi batizada de Vila Betinho pelos novos ocupantes.
Os lotes ficam em um terreno baldio (cerca de 25 mil m2) pertencente à indústria Tekno S/A, na favela Parque União (integrante do complexo da Maré).
A invasão ocorreu em julho. O muro que separava a Tekno da favela foi derrubado pelos invasores, que começaram a demarcar os lotes. A seguir, os traficantes distribuíram tijolos, pedras, vergalhões de ferro, areia e sacos de cimento.
O terreno invadido se transformou em um canteiro de obras. O mato foi capinado. Os novos "donos" já erguem cercas, cavam buracos para alicerces e armazenam material de construção.
A Folha apurou na favela que a invasão foi planejada por Mauro Reis Castellano, o Gigante, apontado pelas Polícias Civil e Militar como chefe do tráfico de cocaína e maconha no complexo da Maré.
Os irmãos Ednaldo, 44, e Deraldo Batista dos Santos, 43, que dizem atuar como líderes comunitários, são responsáveis pelo cadastramento dos sem-teto. Eles confirmaram à Folha oapoio dos traficantes à invasão.
"O pessoal do 'movimento' só pode ser a favor. As firmas mantêm terrenos ociosos ao lado de gente que não tem onde morar. É uma questão de justiça", disse Ednaldo dos Santos.
Para poder reivindicar um lote, a pessoa precisou provar que mora em imóvel alugado em uma das favelas do complexo.
A distribuição dos lotes provocou correria. Milhares de favelados foram ao terreno invadido na esperança de conseguir um pedaço de terra. A procura foi tanta que os traficantes decidiram fazer novas invasões em terrenos vizinhos.
O cadastramento para novas invasões já começou. Algumas pessoas estão há 20 dias na fila à espera da hora de ocupar os terrenos. Responsável pelo policiamento da Maré, o subcomandante do 22º BPM (Batalhão de Polícia Militar), major Renato Borges Filho, disse que uma Tropa de Choque ocupou o terreno no dia da invasão.
"Fomos chamados pela Tekno depois da invasão. Passamos a madrugada lá. Os invasores saíram. Depois não fomos mais chamados. Além disso, não é atividade da PM fazer policiamento particular", disse o major.
Para ele, os traficantes procuram atuar como os verdadeiros administradores da Maré ao distribuírem terras para sem-teto. "Eles ocupam o espaço deixado pelos governos."

Texto Anterior: Morador pede lombadas em rua à CET
Próximo Texto: Desempregada "dorme" na fila
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.