São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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Legião da vergonha

MIGUEL JORGE

Há décadas, os conflitos entre riqueza e pobreza e desigualdade e justiça social no Brasil estão no enredo de uma dramática novela, que acompanha brasileiros de todos os rincões e ainda mancha nossa democracia.
Recente pesquisa nacional Datafolha mostrando que, no Brasil, os excluídos são cerca de 70 milhões de pessoas -59% da população, dos quais 86% não foram além da 8ª série do 1º grau-, é uma trágica sinopse dessa novela.
Se, em escala internacional, é fato que injustiças de um sistema de relações entre países ricos e pobres produzem às vezes milhares de miseráveis, aumentando mais a distância rico/pobre, é também verdade que, internamente, poucos países têm aprendido ou se esforçado para escapar da pobreza.
No caso do Brasil, os números da pesquisa forçam várias reflexões da sociedade, que parece não ter ainda entendido com clareza o que é estar ao lado ou entre 70 milhões de marginalizados.
Uma primeira e perturbadora conclusão que se tira da pesquisa, pela qual só 8% dos brasileiros são uma elite, com chances de ascensão social: as ditaduras institucionais pelas quais já passamos talvez não tenham sido tão duras e perversas quanto as ditaduras das desigualdades e das injustiças sociais.
Basta pensar no fato de que, se temos hoje o incalculável patrimônio da liberdade política, nem de longe ela acompanhou a necessidade de reduzir a distância que mantém milhões sem acesso à escola, ao emprego e à renda.
A pesquisa Datafolha dividiu os brasileiros em cinco grupos sociais -elite, batalhadores, remediados, decadentes e excluídos. Com pouco sucesso, estes últimos canalizam suas ambições para a escolaridade e o trabalho, passando assim a simples espectadores de pedra do processo de globalização -97% deles têm renda familiar abaixo de dez salários mínimos, 16% são assalariados com carteira assinada, 19% fazem "bico" em alguma atividade e 10% são aposentados.
Cerca de 45% dos excluídos estão na chamada classe D e 38%, na E, exatamente as mais beneficiadas pela estabilização econômica. Mas, apesar de tudo, encontram-se ainda muito longe das condições mínimas exigidas para participarem do setor privado ou da ação ordenadora do Estado. De todos os segmentos, são os que mais sofrem com o desemprego e a precariedade de trabalho, principalmente no Nordeste, onde são a maioria -71%, contra 53% no Sudeste e 55% no Sul.
Obviamente, no outro extremo, o das elites, a pesquisa encontrou um grupo amplamente integrado ao trabalho formal, com idade média de 35 anos, formado basicamente por 14% de servidores públicos, 11% de autônomos e 9% de empresários.
Nessa elite, 71% têm curso superior e 71% são da classe B -em Brasília, eles são 30% da população, com renda familiar superior a R$ 2.240 mensais e confortos como dois automóveis e empregada.
No meio dessa grande massa de brasileiros, na verdade o resultado da soma das limitações que afetam nosso desenvolvimento econômico, o Datafolha detectou ainda 3% de "batalhadores", 15% de "remediados" e 14% de "decadentes".
Entre os batalhadores, 58% estudaram até o 1º grau; entre os remediados, 52% completaram o 2º grau; e entre os decadentes, todos concluíram o 2º grau (21% têm nível superior).
A sinopse da novela da pesquisa indica ainda que a economia do país cresce com a estabilização econômica, mas não crescem tanto as oportunidades de redução das desigualdades e de remuneração para a maioria dos brasileiros. Revela ainda, e principalmente, que, se não forem concentrados enormes recursos na educação básica, nunca conseguirá se preparar para o novo milênio.
Não há outra solução para batalhadores, remediados, decadentes, excluídos e até mesmo para as elites: cada um, a seu modo, é preciso que se encontre, com urgência, na melhoria da educação, os instrumentos necessários para se enfrentar a competição internacional.
Se o Brasil não se decidir por esse caminho e não começar uma frenética corrida, apenas aumentará sua população de excluídos, remediados e decadentes. Só restará, então, a velha frase: o futuro a Deus pertence.

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