São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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"Microcosmos" faz culto do assombro sem palavras

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Microcosmos" faz culto do assombro sem palavras
Primeira sensação, terminada a sessão do esplêndido "Microcosmos": é muita pretensão do homem achar até hoje que é feito à semelhança de seus deuses.
Desde o período cambriano, o início da era paleozóica, quando apareceram os primeiros vermes e insetos (pra lá de 380 milhões de anos atrás, num cálculo chutado), a biodiversidade fossilizada e ainda viva no planeta assombra os olhos e a imaginação.
É por respeitar e estimular o direito ao assombro que o filme do casal francês Claude Nuridsany e Marie Perennou assegura a maior virtude desse documentário imperdível: o silêncio da voz.
Nada do lero-lero que preenche o tédio dos seriados corriqueiros na televisão sobre o mundo animal. Apenas imagens -e que belas imagens- do "povo da relva" (subtítulo original do filme) para alimentar a imaginação.
Nada de didatismo e nem explicações. O filme parece querer dizer o tempo todo que ainda somos muito ignorantes para compreender esse universo paralelo.
E o assombro é o melhor companheiro da ignorância. Em apenas 75 minutos de filme, ficamos por conta de imagens comoventes de solidariedade entre formigas sedentas, do enlace sexual dos caramujos, da disfunção rítmica de uma colônia de lagartas e do esforço cego e abnegado de um besouro que empurra com as patas traseiras elevação acima o seu fardo em forma de uma pequena bolota de barro.
Não existe sequer a intenção de ordenar as imagens em busca de um sentido para tanta agitação, ampliada por ótimas lentes macro ou robotizada pela informática.
Na rara interferência narrativa, o filme apenas lembra ao espectador que a ampulheta do tempo desse mundo mais ou menos oculto aos nossos olhos faz a areia correr mais depressa.
Que nessa nova dimensão, uma hora pode parecer um dia, um dia, uma estação, e uma estação, uma vida. Deve haver uma razão comum entre a corrida aos cinemas que "Microcosmos" provocou desde que passou em Cannes no ano passado e a corrida à Internet com a chegada do Pathfinder a Marte.
A busca de um sentido para a vida com fatos documentados é a recompensa para os dois casos.
E o esforço solitário do besouro, nas imagens marcantes de "Microcosmos", permite uma analogia entre o filme concluído um ano atrás e o esforço desesperado dos técnicos da Nasa, há poucas semanas, para mover o robô Sojourner, pateticamente encalhado nas pedras de Marte.
O universo que não vemos também está aos nossos pés.

Filme: Microcosmos
Produção: França, 1996
Direção: Claude Nuridsany e Marie Perennou
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 2

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