São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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"Bye-Bye" revela Elia Kazan francês

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Karim Dridi nasceu na Tunísia, durante a guerra de independência que aquele país moveu contra a França. Seu pai é tunisiano. Sua mãe, francesa. Daí, não ser nada estranho o sentimento de dilaceração que atravessa "Bye-Bye".
Também não é estranho que uma das referências cinematográficas de Dridi seja Elia Kazan: cineasta de origem turca que emigrou para os EUA aos quatro anos, mas nunca perdeu o sentimento de estrangeiridade (ao contrário, ele é central em "América, América" ou "Sindicato de Ladrões").
Mas a ficção de "Bye-Bye" remete antes de tudo a John Ford, um cineasta que não chega a entusiasmar Dridi. A odisséia de Ismael, o irmão mais velho encarregado de levar o jovem Mouloud de Paris até a Tunísia, lembra a de John Wayne em "Rastros de Ódio", o grande faroeste de 1956.
Como Mouloud não quer ser despachado para a Tunísia -onde vivem os pais-, ele desaparece em Marselha. A Ismael caberá procurar Mouloud no submundo marselhês. Uma busca que é também da identidade, de si mesmo.
Seria injusto dizer que "Bye-Bye" também não tem algo de Kazan, a começar pela atenção dada aos atores.
Mas as imagens marítimas, em que Ismael (Sami Bouajila) divide as atenções com os navios, possuem esse tom portuário bem kazaniano: transmitem a sensação de não estar nem dentro nem fora, mas numa terra de ninguém.
É nessa encruzilhada que acontece "Bye-Bye". Ali, tudo pode acontecer: sobreviver ou morrer, tornar-se ou não marginal.
A marginalidade é, no mais, uma sombra que atinge a comunidade árabe quase inteira, em parte pela pobreza, em parte por não abandonar seus costumes em favor da cultura européia -o que ajuda a desencadear a ação dos racistas de extrema-direita.
Mesmo considerando que Dridi traz o pessimismo sombrio de John Ford em "Rastros de Ódio", misturado ao caráter visceral e crispado da dramaturgia de Kazan, este seu segundo filme (o primeiro, "Pigalle", foi lançado apenas em vídeo no Brasil) se beneficia de um uso da câmera e de uma ambientação livre e leve, à maneira da nouvelle vague francesa.
É verdade que Dridi não aprecia essa escola, à qual reprova o caráter "intelectual". Mas a batalha da nouvelle vague girou em torno da necessidade de filmar personagens com vida, e Dridi usa e abusa desse legado.
Há que lembrar, por fim, que "Bye Bye" é um filme com 19 personagens, o que leva seu diretor a, não raro, abandonar a trama central e deixar sua câmera vagabundeando por Marselha, vasculhando a vida das populações pobres, antes de voltar ao eixo central.
Dridi controla bem essa complexidade. É uma revelação e um cineasta a ser seguido.

Filme: Bye Bye
Produção: França, 1995
Direção: Karim Dridi
Com: Sami Bouajila, Nozha Khouadra
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema, sala 3

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