São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para todos os gostos...

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jantar de Babette desta vez é na New Jersey dos anos 50. E quem melhor para nos lembrar os 50 do que Isabella Rossellini, um mulheraço de olhos de veludo, a cara da mãe, Ingrid Bergman?
Está de cabelinhos curtos com pega-rapaz, lábios carnudos, vestido tomara-que-caia, saia rodada e sapato salto oito, cheia de angústia "bovaresca", sonhando com outros mundos.
É casada com Pascal (Ian Holm), velhote esperto, bom negociante, dono de um restaurante de sucesso que serve comida italiana para americano ver, perversa e estereotipada. A grande especialidade é o espaguete com almôndegas.
Paradiso
"Espaguete com almôndegas! Não é possível. A comida de lá é terrível!", geme Primo (Tony Shaloub) para seu irmão, Secondo (Stanley Tucci).
Os dois são donos do Paradiso, restaurante sempre vazio, bem em frente ao fajuto concorrente. O cozinheiro é Primo, e Secondo administra.
O Paradiso tem a comida dos três estrelas de hoje, mas a América da década de 50 queria a paz de um filé ou de uma massa bem mole e não dava um tostão para risoto al dente com arroz arbório, vinagre balsâmico, rúcula, pesto, tomate seco, focaccia e azeite extra-viagem.
Os fregueses, vizinhos do restaurante, levam o cozinheiro Primo ao desespero. Ele é um perfeccionista, a comida é Deus, ele o sacerdote.
Precisa fazer o melhor possível, e os clientes têm mais é que aprender a comer.
Secondo, o administrador, vendo a falência por perto, aceita o conselho de Pascal, o concorrente, e resolve num golpe de marketing convidar Louis Prima, um famoso "bandleader", a imprensa e os amigos para um jantar de gala, de arrasar, deixar memória e levantar a casa.
O prato de resistência seria o tímpano, torta especialíssima com mil e um ingredientes.
E o tímpano, no quefazer da cozinha, vai se construindo em tritos, refogados, salteados no mesmo tempo da vida e do filme.
A cultura americana e italiana se chocam, a arte briga com o negócio, a objetividade fria dos banqueiros contrasta com o romantismo dos irmãos italianos.
Paixões e comilança
Muita coisa acontece. Em matéria de mulheres, Secondo não consegue se decidir entre a amante (Isabella Rossellini) e a namorada (Minnie Driver).
Primo é tímido demais para arrastar a asa para a florista feiosa... e cozinha, e cozinha, e prova e leva ao forno, e tira do forno num sem fim. E vão se desenvolvendo as paixões e a comilança. O jantar se divide em "I Primi", "I Secondi" e "I Dolci"
É a zuppa, o risoto, o tímpano trêmulo, o leitão, por Deus, os frangos assados com seus acompanhamentos.
E o belo vinho e a boa música, tudo caminhando para o desafogo total.
A vitrola canta um inacreditável "veni, per la strada del bosco", e um mambo animado mistura a loira, o padre, o repórter, Primo, Secondo, Pascal, amantes, namoradas.
Como toda festa boa, tem uma briga, que acontece nas areias da praia de New Jersey, uma New Jersey naquela hora, estranha, um pouco fantasmagórica, feliniana.
Como toda festa boa, tem um fim melancólico, numa mesa de cozinha, com os dois irmãos unidos, um ajudante de cozinha, uma omelete e um pedaço de pão.
Para os que gostam e os que não gostam de comida.

Texto Anterior: 'A Grande Noite' é simpático independente
Próximo Texto: UMA RECEITA DE PRIMO E SECONDO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.