São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 1997
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Rotulação se perde entre o modernista e o pós-moderno

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Samuel Beckett é um pesadelo para a crítica e a periodização literárias. Começou com seu agrupamento no "teatro do absurdo" por Martin Esslin, em 1961, ao lado das dramaturgias diversas de Jean Genet, Harold Pinter. Outro pesadelo é retomado na recente biografia, "o último modernista".
Não era o primeiro pós-moderno? Foi o que apontou Fredic Jameson, estudioso de maior peso, em conferência de 82 (publicada na revista "Cebrap" em 85). Para Jameson, Beckett forma entre os mais significativos artistas pós-modernos ao lado de Bob Wilson, Andy Warhol, John Cage, por textos até um pouco anteriores a "Esperando Godot", de 53.
Uma e outra classificações, para piorar, baseiam-se nas mesmas distinções de quebra da narrativa e virtualização dos personagens.
Melhor pôr de lado as periodizações e descer ao Beckett como os brasileiros o viram. Outra biografia recente, de título "amaldiçoado (ou condenado) à fama", relata que ele chegou a criar simpatia pelo português, mas perdeu o ânimo por senti-lo impronunciável.
Os brasileiros pouco se importam, a julgar pelo volume, constância e variedade das montagens em tradução. Três delas, de "Godot" (a contribuição mais original à dramaturgia da segunda metade do século, segundo Eric Bentley), são mais significativas.
Nem bem a peça "explodiu" na Europa com Roger Blin e Peter Hall, chegava a São Paulo pelas mãos de Alfredo Mesquita, pai editorial dos "chato-boys" pós ou antimodernistas, como Décio de Almeida Prado. É uma encenação dada por alguns como "histórica" -embora tenha sido amadora.
A seguinte, de Flávio Rangel, com Cacilda Becker, é certamente histórica, menos pelas qualidades do que por ter sido durante uma apresentação que a atriz sofreu o derrame que a levou à morte, em 68. Sintetizou o pós-modernismo da tríade TBC-Arena-Oficina.
A terceira montagem mal é conhecida, quanto mais vista como histórica, mas merecia. Já nos anos 90, depois da morte do autor em 89, foi a primeira revisão sob novos olhos (pós-pós-modernos?). Trazia a "zanni" Denise Fraga, dirigida por Moacir Chaves.
Um primeiro sinal, seguido de outros (o "Godot" de Steve Martin e Robin Williams, as montagens do Gate Theater de Dublin, com Beckett em sotaque irlandês), de que o dramaturgo não é mais nem modernista nem pós-moderno, quanto mais "absurdo".

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