São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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Galáxias canibais

KEN CROSWELL
DA "NEW SCIENTIST"

A pequena galáxia não tinha a menor chance de resistir. Ela estava a caminho de um dos objetos mais mortíferos da região -a poderosa Via Láctea, que abriga o Sol e bilhões de outras estrelas.
Atraída pela enorme gravidade da Via Láctea, a galáxia pequena foi chegando cada vez mais perto. Mas em volta daquela roda gigantesca havia uma teia invisível de matéria escura, cujo caminho a pequena galáxia acabava de cruzar.
A Via Láctea, ao exercer atração mais forte sobre o lado da pequena galáxia que estava mais próximo dela, começou a despedaçá-la, espalhando suas estrelas e seus aglomerados de estrelas pela enorme auréola da galáxia gigante.
Enquanto isso, do outro lado da Via Láctea, três astrônomos da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, percebiam que algo estranho estava acontecendo. Rodrigo Ibata, Gerard Gilmore e Mike Irwin estavam pesquisando a constelação de Sagitário, na mesma direção do centro da pequena galáxia, quando detectaram um grupo de estrelas que se destacava do centro da Via Láctea.
Diferentemente das outras estrelas, cujas velocidades eram completamente aleatórias, as estrelas incomuns estavam todas se deslocando na mesma direção e à mesma velocidade. Todas se encontravam à mesma distância da Terra -cerca de três vezes a distância entre esta e o centro da galáxia.
O ano era 1994, e a equipe de Cambridge estava testemunhando a morte de uma galáxia inteira por obra de uma outra, que chamamos de nossa.
Flagrada no ato
A idéia de que nossa galáxia pudesse ser uma "canibal cósmica" foi proposta pela primeira vez na década de 70. Mas a morte da pequena galáxia foi a primeira vez em que a Via Láctea foi flagrada no ato. E, de alguns meses para cá, vêm surgindo ainda mais provas de que nossa galáxia já despedaçou dúzias de outras impiedosamente, tomando a si suas estrelas e aumentando ainda mais seu poder.
A Via Láctea é enorme. Juntamente com a galáxia de Andrômeda, ainda maior do que ela, domina as cerca de 30 galáxias que compõem o Grupo Local. A maioria das integrantes do Grupo Local gira em torno de Andrômeda ou da Via Láctea, assim como a Lua orbita a Terra. O império da Via Láctea abrange pelo menos 10 galáxias satélites -11, com os destroços na direção de Sagitário.
Houve uma época em que os astrônomos acreditavam que as galáxias raramente interagiam. Mas, em 1972, o astrônomo Alar Toomre, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e seu irmão Juri, hoje da Universidade do Colorado, criaram modelos computadorizados que deram razões para acreditar que várias galáxias peculiares devem suas características incomuns a colisões.
No exemplo mais famoso dado pelos irmãos Toomre -as duas galáxias Antenas, na constelação de Corvo-, a atração gravitacional de cada uma das galáxias que colidiram havia arrancado uma cauda de estrelas da outra.
Seis anos mais tarde, Leonard Searle, dos observatórios Carnegie, em Pasadena, Califórnia, e Robert Zinn, hoje da Universidade Yale, propuseram um novo modelo da formação da Via Láctea. Os pesquisadores estavam interessados especialmente na auréola estelar de nossa galáxia, uma coleção difusa, aproximadamente esférica, de estrelas antigas que envolve o disco chato da Via Láctea. A idéia anterior era que a Via Láctea inteira teria se formado a partir de uma única bola de gás colapsante.
As primeiras estrelas teriam nascido dentro da nuvem esférica quando ela começou a colapsar. Depois disso o gás teria se estabilizado num disco giratório, formando o restante das estrelas com o passar do tempo. Aquelas que se formaram primeiro teriam permanecido dentro da auréola.
Estrelas alienígenas
Mas Searle e Zinn argumentaram que a parte externa da auréola estelar de nossa galáxia teria se originado em outro lugar -em pequenas galáxias que colidiram com a Via Láctea no decorrer de sua vida. Eles desenvolveram essa teoria depois de observar aglomerados de estrelas antigas chamadas globulares, a maioria das quais pertence à auréola.

Tradução de Clara Allain.

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