São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997
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'Novos' Kennedys enfrentam escândalos

MATINAS SUZUKI JR.
DO CONSELHO EDITORIAL

"Deus abençoe a mamãe e o papai, a Kathleen, o Joseph, o Bobby, o David e a Courtney", dizia Bob Kennedy nas noites da -para os americanos- legendária mansão de Hickory Hill, após orar com a mulher e os filhos, antes de eles irem para a cama.
Às vezes, ele acrescentava: "E qualquer pessoa que Deus enviar". Significado: Ethel estava grávida novamente.
Ethel Skakel Kennedy esteve grávida durante dois terços dos 18 anos em que ficou casada com Robert Francis Kennedy, para gerar mais de um terço da terceira geração da família mais comentada no mundo nos últimos 40 anos.
São 28 os representantes da terceira geração dos Kennedys. Eles agora misturaram ao catolicismo irlandês original sangue cubano, coreano, italiano, austríaco, as idéias protestantes e judaicas.
Eles podem assinar Shriver, Lawford, Smith ou até Cuomo e Schwarzenegger, mas todos aprenderam com os pais, tios e avós que:
1) Um Kennedy nunca chora;
2) Um Kennedy nunca desiste;
3) Um Kennedy não tem medo;
4) Um Kennedy não perde;
5) Um Kennedy não fala mal de outro em público.
Bem, não falava. Na semana passada, na carta ao leitor da sua revista "George", John Fitzgerald Kennedy Jr., o "John-John", por muito tempo o homem mais cobiçado da América (antes do casamento com Carolyn Bessette, de quem se diz que está grávida), filho de dois mitos da segunda metade deste século, Jack Kennedy e Jacqueline primeiro Bouvier, depois Kennedy e depois Onassis, detonou dois de seus primos, filhos de seu tio Bob -o irmão que sucederia o pai de "John-John" na Casa Branca.
"John-John" acusou Joe 2º e Michael de se tornarem "garotos-propaganda do mau comportamento". As acusações chocaram tanto quanto o acusador. "John-John" nunca foi famoso pela inteligência. Causava calafrios na mammy Jackie O. ao querer casar com a atriz Daryl Hannah. Ironizou a própria relação adúltera do pai colocando a atriz Drew Barrymore na capa da revista imitando Marilyn Monroe e dizendo "Feliz aniversário, senhor presidente" (MM, amante de Jack Kennedy, com um vestido prateado que dizem ter custado US$ 12 mil, cantou para o presidente na festa de um dos aniversários dele). Neste número da "George", ele posa de Adão. Pode ser levado a sério?
Primos problemáticos
O problema é que o desejo de aparecer de "John-John" não livra a cara dos seus dois primos, cujos nomes e atos, desde abril, não saem das melhores e mais tradicionais bocas do Estado de Massachusetts, o velho reduto eleitoral dos Kennedys.
Michael LeMoyne Kennedy, o 6º dos 11 filhos de Bob Kennedy, é acusado de ter mantido por dois anos caso amoroso com a babá de seus três filhos, Victoria Gifford.
Em se tratando de um sobrinho de John e de um neto do velho Joe (Joseph Patrick Kennedy), do qual a lenda de um dos clãs mais "propulsionados pela testosterona", como escreveu a jornalista Eileen McNamara, do "Boston Globe", diz que proclamava seu caso com Gloria Swanson na mesa de jantar da família, romances extraconjugais dos Kennedys não seriam algo que ruborizaria a Nova Inglaterra.
O caso não seria tão grave para eles se o suposto romance de Michael, 39, com a babá de seus filhos não tivesse começado há cinco anos, quando ela, a filha de um milionário que acaba de vender seu negócio de ambulâncias por US$ 1,2 bilhão, tinha 14 anos.
Pelas leis de Massachusetts, ter relações sexuais com menores de 16 anos é estupro. A sorte de Michael é que a garota, hoje com 19 anos, se recusa a colaborar com a investigação do caso.
Mas, para demonstrar que a família Kennedy não está mais fechada entre si, a maldosa revista "Vanity Fair" levanta a hipótese de Michael ter sido dedado por um primo xará, o ex-alcoólatra Michael Skakel, que, embora não sendo Kennedy (é sobrinho de Ethel, viúva de Bob), é suficientemente próximo para conhecer os valores dos Kennedys.
(Não esquecer que um outro primo de Michael, William Kennedy Smith, filho de Jean Ann Kennedy, a caçula das irmãs de John Kennedy, com Stephen Edward Smith, foi absolvido de uma acusação de estupro, na Flórida, em 1991.)
Herdeiro político
A incontinência sexual dos Kennedys está chamuscando a imagem do irmão mais velho de Michael, Joe -que herdou o nome do avô; este, apesar dos escândalos familiares e de ser odiado pelo sogro, o antigo prefeito de Boston John F. "Honey Fitz" Fitzgerald, foi nomeado, em 37, para o prestigiosíssimo cargo de embaixador americano no Reino Unido-, escalado para receber o cetro político da família, atualmente nas mãos de seu tio, o senador Edward Moore Kennedy, Ted, o caçula, que, com os assassinatos de John e Bob, ficou como líder da missão que o patriarca Joe impôs à família de influir com peso na vida pública americana.
Enquanto "John-John" badala, o deputado democrata Joseph Patrick Kennedy 2º, 44, que nasceu horas após sua mãe ter participado de um comício pela então candidatura ao Senado do então marido de Jackie O. e que herdou, no Congresso americano, a cadeira usada justamente pelo pai de "John-John", é candidato a candidato ao governo de Massachusetts (seu primo, Patrick Joseph Kennedy, filho de Ted, eleito aos 27 anos, é o mais jovem membro do Congresso dos EUA).
Ele não teve uma vida fácil: duas das imagens mais tocantes da edição especial da revista "Life" sobre a terceira geração da família Kennedy, lançada em julho, mostram ele, aos 11 anos, abraçado com outro irmão ao desolado pai nos jardins de Hickory Hill, logo após a notícia do assassinato do presidente Kennedy, e, aos 15, usando um terno de Bob e representando a família, agradecendo a presença de uma por uma das mil pessoas que estavam no trem que carregava o corpo do próprio pai, também assassinado, de Nova York para Washington.
"Amar o nosso país"
No dia em que John Kennedy foi cremado, Bob Kennedy escreveu para seu filho Joe: "Lembre-se de todas as coisas que Jack começou -ser prestativo com os menos afortunados e amar o nosso país". Em 83, seu primo Stephen Smith Jr., que hoje trabalha com técnicas de negociação de conflitos, disse: "Nós pensávamos que era indesculpável não estar interessado no mundo e nas grandes questões do nosso tempo. (...) Você não pode ser um membro da nossa família e não estar interessado em política".
O irmão de Joe 2º, David Anthony Kennedy, morreu de overdose em 1984, outro irmão foi preso com heroína, Michael também andou bebendo demais -aliás, o alcoolismo atingiu pelo menos dois coadjuvantes da segunda geração dos Kennedys: o ator Peter Lawford (no caso dele, alcoolismo extensivo às drogas), que se casou com uma irmã de John Kennedy, Eunice Mary, e Virgínia Joan Bennet, a primeira mulher de Ted Kennedy (o filho mais novo deles, Ted Jr., também tornou-se alcoólatra). Nas costas, Joe 2º carrega ainda, desde 1973, a paralisia para o resto da vida de uma garota, vítima de sua imprudência ao volante.
Outro escândalo
Para piorar as coisas para os Kennedys, poucos dias antes de o tribunal da consciência de Massachusetts, o jornal "The Boston Globe" (que agora é do "The New York Times"), levantar o caso da babá com Michael, a primeira mulher de Joe, Sheila Brewster Rauch, lançou o livro "A Fé Destruída", um panfleto sobre sua resistência em aceitar o pedido de anulação do casamento de 12 anos e dois filhos (Joe Kennedy alega à Igreja Católica que foi um erro se casar com uma protestante).
O caso da babá (do qual a investigação de Michael Shnayerson para a "VF" não encontrou evidências de relações sexuais antes dos 16 anos) e a anulação do casamento bateram na imagem de Joe, e ele despencou nas pesquisas, principalmente nas intenções de voto de um segmento tradicional dos Kennedys, o voto da mulher.
A imprensa americana está forrada de artigos de escritoras, jornalistas e feministas desancando a falocracia que, junto com o sorriso de anjo e o ar de eternos velejadores, passou a ser um dos ícones da família Kennedy.
'Ranking'
As mulheres -e mesmo alguns homens- apontam a irmã mais velha de Joe, Kathleen Kennedy Townsend, vice-governadora de Maryland, como a melhor e a mais bem-sucedida pessoa da terceira geração dos Kennedys (embora ela tenha sido a primeira Kennedy a conhecer uma derrota eleitoral, quando se candidatou a deputada por aquela região).
Também estão na liderança do ranking positivo da terceira geração a irmã de "John-John", a discretíssima acadêmica de direito constitucional Caroline Bouvier Kennedy Schlossberg (que, significativamente, escreveu o livro "O Direito à Privacidade") e a senhora Arnold Schwarzenegger, nascida Maria Owings Shriver -filha de Eunice Mary Kennedy, irmã ainda viva de John e Bob, e Robert Sargent Shriver Jr.-, que está grávida do quarto filho.
Não obstante ser mulher do Mr. Músculos, ela, talvez a mais bonita das Kennedys, continua pegando no batente da sua carreira de duas décadas no jornalismo de televisão, participando com âncora contribuinte, em Los Angeles, do "Dateline", da NBC.
Assédio feminino
Para ter uma idéia de como a mulherada anda pegando pesado contra os Kennedys na imprensa americana, veja só como Maureen Dowd abriu um artigo no "The New York Times", em maio passado: "Os Kennedys sempre abraçaram a hipocrisia como valor familiar. Agora eles abraçaram a estupidez. É uma combinação infeliz".
Joe 2º nasceu oito anos depois que o tio que levava o seu nome, Joseph Patrick Kennedy Jr., morreu como voluntário em uma ação suicida na Segunda Guerra Mundial (seu avião, abarrotado de TNT, atacou bases alemãs).
Sua tia Rosemary Kennedy nasceu durante a epidemia de gripe espanhola, não foi tratada adequadamente e ficou com problemas mentais. Segundo o livro "As Mulheres Kennedy", ela escapava da internação para se entregar a homens e foi lobotomizada. Ainda vive. Sua mãe, que morreu em 1995, aos 104, raramente a visitava.
Traições
A matriarca Rose Kennedy também nunca perdoou sua outra filha, Kathleen, "Kick", por ter se casado com o protestante William John Robert Cavendish, marquês de Hartington. O marido de "Kick" foi morto na guerra poucos meses depois do casamento. Ainda contra a vontade da mãe, ela se preparava para casar-se novamente com Peter Fitzwilliam, quando os dois morreram em um desastre de aviação, em 1948.
Os livros contam que Jean Ann Kennedy, a penúltima das Kennedys, traía o marido, Stephen Edward Smith, que se tornou advogado da família, com o letrista Ala Jay Lerner, até que ele trocou-a por uma jovem jornalista.
Para a matriarca Rose, a esperança da família de conduzir a política nos EUA começou a acabar quando o caçula Ted, após a morte de John e Bob, sofreu o acidente de carro em Chappaquiddick, e sua acompanhante, Mary Jo Kopechne, morreu (ele ainda era casado com Virginia Joan Benett).
O sonho da segunda geração foi enterrado em Chappaquiddick. Restava a terceira geração, que prometia menos do que a dos pais e que, agora, no início da carreira pública, passa a ter que responder pelos próprios escândalos.
Os Kennedys jamais perderam uma eleição no Estado de Massachusetts. Do jeito que as coisas vão, detonados pelo próprio primo (o artigo de "John-John" corrobora a opinião daqueles que afirmam que Jackie O. fez de tudo para acabar com o "kennedysmo" de seus dois filhos), parece só restar uma alternativa para Joe Kennedy 2º manter essa tradição: é ele não se candidatar a governador de Massachusetts.

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