São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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Para Buaiz, PT perdeu a hegemonia da esquerda

FERNANDA DA ESCÓSSIA
ENVIADA ESPECIAL A VITÓRIA (ES)

Uma semana depois de deixar o PT, o governador do Espírito Santo, Vitor Buaiz, 53, diz que o partido perdeu a hegemonia da esquerda brasileira e que as tendências internas querem "implodir o PT".
Buaiz está sem partido e afirma que assim permanecerá até o final do mandato. Sua saída, porém, deflagrou uma disputa entre seus seguidores e os dirigentes petistas pelas bases no interior do Estado.
O governo deve dois meses e meio de salários aos funcionários públicos, e Buaiz promete demitir 1.200 pessoas. O enxugamento da máquina foi um de seus pontos de confronto com o PT capixaba, que o governador chama de sectário.
Reduzir a folha, diz Buaiz, "é uma questão de vida ou morte para os Estados". A seguir, trechos da entrevista do governador:
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Folha - O senhor esteve no PT desde a fundação e saiu. O que mudou: o senhor, o PT ou o Brasil?
Vitor Buaiz - O planeta mudou, a humanidade mudou. Apenas setores do partido não entenderam o que é a globalização. Não só da economia, como da cultura, dos novos valores da sociedade. Setores do PT aqui no Espírito Santo estão achando ainda que são os donos da verdade revolucionária.
Folha - Setores mais à esquerda do PT afirmam que o senhor é um neoliberal.
Buaiz - No ano passado, fizemos uma reunião da esquerda brasileira, e os sindicatos estavam na porta do Centro de Convenções, tentando impedir que a reunião acontecesse. Quem é neoliberal? Sou um político de esquerda. Eu me afastei da máquina burocrática do partido, mas não dos princípios que sempre pautaram a minha vida política.
Folha - O PT se diz um partido do socialismo. O senhor vê sentido em tal proposta?
Buaiz - Claro. Só não posso implantar no Espírito Santo uma república socialista independente. Era o que estes setores sectários queriam que eu fizesse. O movimento sindical queria que eu implantasse uma república sindicalista. O projeto da esquerda é um projeto socialista dentro da realidade democrática que nós vivemos.
Folha - A sua saída, às vésperas do encontro nacional do partido, não fortaleceu os setores que o senhor chama de sectários e enfraqueceu as tendências mais moderadas do PT?
Buaiz - Externamente, fortalece os setores mais consequentes e responsáveis do partido. Setores empresariais e camadas populares vão dizer: 'até que enfim o governador se livrou das amarras dos sectários'. Internamente, acho que não vai haver nenhuma interferência, porque vem de longa data a disputa interna das tendências.
Folha - O senhor acha que o PT tem futuro como partido ou é empreitada fadada ao fracasso?
Buaiz - O partido tende ao isolamento, e as outras forças políticas de esquerda estão se compondo. O PT, que sempre teve a hegemonia no campo da esquerda, está perdendo a hegemonia. O PT tem que se aliar no campo de centro-esquerda. Em alguns Estados, os diretórios do PT proibiram coligações com o PSDB e o PMDB, e a política municipal é totalmente diferente da política nacional.
Folha - Mesmo com o PT se dizendo oposição a Fernando Henrique Cardoso?
Buaiz - Claro. E foram feitas coligações aqui no Espírito Santo. O PT tem vice-prefeito em coligação com o PPB.
Folha - Mas isto não é contra o programa do PT?
Buaiz - Mas isso é dogmático! Temos que quebrar esses dogmas. O PT fez a coligação e tem vários secretários municipais. Nos municípios onde não elegeu ninguém, a tendência é o PT esvaziar.
Folha - Por que os dois governadores que o PT elegeu vivem às turras com o partido?
Buaiz - Porque essas tendências não concordam que nós sejamos governo dentro de uma conjuntura totalmente desfavorável. A crise do Estado brasileiro é cada dia mais profunda, e a herança que nós recebemos de governos passados, de máquina sucateada, clientelista, paternalista, empreguista, tem que ser reformulada.
Folha - Qual a alternativa para sair da quebradeira?
Buaiz - O que nós fizemos aqui foi reestruturar a máquina e informatizar. A máquina é muito grande, você perde o controle. Os cortes já estão sendo feitos, a previsão é de 1.200. Você tem funcionários ganhando R$ 800, quando o mercado paga R$ 250.
Folha - O que é mais difícil de administrar: a máquina ou as divergências internas do PT?
Buaiz - A máquina. A minha atitude de sair do partido é para mostrar à sociedade que eu não queria que os conflitos partidários interferissem no trabalho administrativo de governar o Estado. Nenhum governador pode ser refém do partido. Há pessoas no PT que dizem claramente que não são contra as privatizações, mas contra a forma como determinadas empresas são privatizadas. Empresa que dá prejuízo você tem que fechar. Eu estou dois meses e meio atrasado no salário. Se continuar, o salário passa a ser atrasado mais cinco meses. A folha está inchada. Noventa por cento da receita é para a folha. É uma questão de vida ou morte.
Folha - Na sua avaliação, o Brasil melhorou ou piorou com Fernando Henrique Cardoso?
Buaiz - Temos hoje uma democracia em que todas as oposições são livres, e quem faz oposição a Fernando Henrique não é o governador do Estado. A imagem do Brasil mudou bastante, no sentido positivo. A concentração de renda continua, a reforma agrária está em passo lento. Nesse lado social, continua o mesmo.
Folha - No embate entre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o governo FHC, de que lado o senhor se coloca?
Buaiz - Sou favorável à reforma agrária. A burocracia tem impedido que o processo avance, e a pressão dos ruralistas do Congresso tem impedido leis que facilitem a reforma agrária. Eu conversei com o governador Tasso Jereissati (PSDB-CE), com outros governadores, para, no dia do julgamento de José Rainha, estarmos em Vitória discutindo a reforma agrária.
Folha - Com o Estado em crise e os salários atrasados, o senhor se sente a salvo da rebelião das PMs?
Buaiz - No Espírito Santo, a política salarial da PM é a segunda melhor do país, e nenhum soldado recebe menos de R$ 800. Cabos e soldados apresentaram um plano de cargos, mas, da forma que foi feito, era um prejuízo para o Estado. Nós nos dispusemos a fazer um outro projeto.
Folha - O que o senhor faria se a sua PM entrasse em greve?
Buaiz - Não sei. Greve de servidores armados é perigosa, a sociedade não pode assistir a isso. Se necessário, o governo tem que intervir.

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