São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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A cidade enfaixada

HELCIO EMERICH

Segundo matéria publicada há uma semana aqui na Folha, assinada pela jornalista Cleide Floresta, um grupo de profissionais reunindo arquitetos, decoradores e psicólogos está desenvolvendo um trabalho com o objetivo de reduzir os efeitos negativos causados pelo excesso de placas, outdoors e anúncios em São Paulo.
Inicialmente, ainda de acordo com a autora da reportagem, a equipe realiza pesquisas fotográficas para identificar as regiões com maior número de anúncios, ao mesmo tempo em que analisa a legislação municipal que disciplina a publicidade ao ar livre.
Nem sei se seria necessária uma etapa de estudos fotográficos, já que não há rua ou logradouro da cidade livres dos abusos cometidos pelas empresas de outdoor, por órgãos públicos, pelo setor imobiliário, por lojas, por empresas de prestação de serviços e até por particulares.
Dizer que São Paulo está visualmente poluída é um eufemismo. A cidade está emporcalhada. A paisagem urbana se transformou num horrendo mosaico onde cartazes, placas, back-lights, fachadas, sinalizações e outras peças (sejam elas produzidas com os modernos recursos eletrônicos, sejam fabricadas em fundo de quintal) ocupam indiscriminadamente os espaços públicos que, é bom repetir, são propriedade da população e não desses "anunciantes" e dos seus agentes, marreteiros da propaganda.
Na matéria citada, o gerente de comunicação e promoções da Pananco Spal (fabricante da Coca-Cola), Marco Antonio Marchioli Lopes, declara que as empresas não podem prejudicar a paisagem da cidade, mas acha que a publicidade na fachada de prédios é importante e que ela não representa uma agressão ao edifício.
O ponto não é a agressão ao imóvel. Comerciantes, oficinas, postos de gasolina e outros tipos de negócio não se limitam a identificar suas fachadas: querem também "decorar" (cada qual com sua dose pessoal de mau gosto) as áreas externas, instalar trambolhos nas marquises, colocar cavaletes nas calçadas e assim por diante. Tudo isso é agressão à visão dos habitantes.
No momento, a capital assiste ao festival das faixas. Qualquer curso de informática, qualquer corretor de celulares ou restaurante de comida a quilo se sente no direito de espalhar seus pedaços de pano pelo quarteirão e para isso vale pendurar as faixas em fios, árvores, postes e muros.
Explica-se tamanha voracidade no processo de predação visual da cidade: já que as autoridades são omissas, a ordem é descolar mídia gratuita em todos os espaços disponíveis da terra.
Chega a ser melancólico saber que na Secretaria Municipal de Habitação existe (existe?) uma Comissão de Proteção à Paisagem Urbana e que na Câmara Municipal funciona (funciona?) uma Comissão Especial de Estudos sobre Poluição Visual.
Os membros desses organismos ou não circulam pelas ruas da capital ou precisam visitar com urgência uma clínica de oftalmologia.

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