São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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A indústria e um novo ciclo de crescimento

ROBERTO NICOLAU JEHA

Começa-se a se falar no início de um novo ciclo de crescimento sustentado para o Brasil. O governo, por intermédio de seus diversos porta-vozes, e mesmo algumas associações de classe como a CNI e a Fiesp, falam nos sinais de reativação do investimento via aumento das encomendas à indústria de bens de capital, que seria o novo setor dinâmico a impulsionar um novo surto de desenvolvimento, baseado mais na consolidação da infra-estrutura e na reativação da indústria matriz e menos no setor de consumo, especialmente o de bens duráveis, que já começa mostrar claros sinais de esgotamento.
Ao mesmo tempo, sinaliza-se com um volume muito expressivo e crescente de investimentos externos, que viriam consolidar esse movimento de retorno do crescimento, concentrando-se principalmente nos setores de infra-estrutura e serviços a serem privatizados, como energia e telecomunicações.
Acresce que não são desprezíveis o volume de recursos que tem entrado e sido aplicado na compra de ativos preexistentes.
A fonte de financiamento e a alocação de incentivos fiscais desse novo ciclo de investimento não diferem nada do anterior, que ocorreu basicamente de 1950 até o fim da década de 70.
Então, como agora, é o Estado que arbitra quais serão os setores escolhidos para crescerem. A poupança continua sendo preponderantemente baseada em recursos externos.
O instrumento de financiamento é o mesmo de então, acrescido de um S, o BNDES. As renúncias fiscais continuam sendo dadas pelo poder público, só que agora no contexto de uma bizarra guerra fiscal, mais pelos Estados do que pela União.
O único fator que mudou dramaticamente é que, ao contrário do que aconteceu no ciclo anterior, chamado de substituição de importações, as empresas beneficiárias dessa nova política industrial, que chamo de inserção subordinada na globalização, não são mais as nacionais, mas sim as multinacionais.
A recente decisão do BNDES de recursos do Proer para a segurança pública, que vinha junto com a notícia da aprovação do FEF até 1999. Um pedido ingênuo ou irônico, mas que falava coisas certas e de uma forma sincera. Precisamos de dinheiro para a segurança pública.
Confesso que fiquei cansado do Brasil. Uma irritação parecida com a que desenvolvemos com os amigos íntimos depois do convívio de uma longa viagem, a irritação que temos com os irmãos ou com a esposa. Uma mistura de amor e raiva.
Gostaria de ter outra profissão, de fazer parte de outra nação. Uma nação de não especialistas em coisa alguma, de pessoas tolerantes e cheias de respeito sobre as opiniões alheias, com dúvidas e questões sobre muitas coisas. O que será que levou a juíza a tomar esta decisão? Por que o déficit público vai diminuir? O que é mesmo poupança?
Fiquei com saudades da época da censura dos anos escuros da ditadura, quando o "Estadão" publicava poesias, a Folha deixava espaços em branco, a "Veja" escrevia nas entrelinhas e a música do Chico Buarque de Holanda, "O que será?" era censurada simplesmente porque perguntava o que será. Naquela época, as palavras não podiam ser ditas, porque eram importantes.
Hoje em dia, não. Você pode falar o que quiser, mostrar, cantar ou opinar sobre o que quiser, como quiser. Porque não tem importância. É apenas mais um produto comercial, que pode agradar e dar lucro ou não. O destino das coisas e as decisões vão acontecendo, independentemente do que se diz ou fala. Ninguém muda de idéia, pensa de novo, ou se enche de dúvida.
Hoje, graças a Deus, não temos censura, mas pensamos todos da mesma forma. Nenhum pastor e um rebanho. Nenhum censor e nenhuma divergência.
Gostaria de fazer parte de uma nação com a fleuma dos ingleses, a tolerância das leis americanas e especialmente o silêncio prudente dos mineiros.

João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Plane

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