São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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Basquete e cinema, o dilema de Spike

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Basquete e cinema. Cinema e basquete. Acredite: o cineasta norte-americano Spike Lee não sabe dizer o que vem na frente, em ordem de importância, em sua vida.
O que ele sabe, claramente, é que devido ao seu sucesso como diretor, acabou conseguindo realizar vários sonhos relacionados à sua paixão pelo esporte.
Uma das conquistas de Spike Lee é que hoje ele tem dinheiro e prestígio suficientes para sentar-se no melhor assento do Madison Square Garden, o ginásio nova-iorquino onde o principal time de basquete da cidade, o New York Knicks, "manda" as suas partidas.
Pode parecer bobagem, mas para o diretor de "Faça a Coisa Certa" não é. Tanto que ele intitulou a sua precoce autobiografia, lançada há pouco mais de três meses nos EUA, de "Best Seat in the House" ("O Melhor Assento da Casa").
Aos 40 anos, Spike Lee também aproveita o ano de 1997 para, finalmente, fazer um filme com enredo que gira em torno do mundo do basquete, chamado "He Got Game" (expressão usada entre negros norte-americanos querendo dizer que "ele sabe jogar" ou "tem talento para jogar").
O pouco que se sabe do filme é que se trata de um drama sobre um jovem astro do basquete e que esse personagem será interpretado por um jogador de verdade, o novato Ray Allen, do Milwaukee Bucks.
No elenco também está o ator Denzel Washington, que já havia trabalhado com Lee no polêmico "Malcolm X", no qual interpreta o personagem principal.
A autobiografia de Lee vai agradar tanto aos que gostam quanto aos que odeiam o cineasta. Filho de um músico de jazz e de uma professora de arte, Lee tenta convencer o leitor de que foi criado em condições piores do que as que realmente teve.
Uma pergunta atormenta o cineasta -e ele faz de tudo para respondê-la no livro: "Como Spike Lee pode fazer filmes sobre as classes trabalhadoras se ele vem de uma família com recursos?"
Lee completou a sua graduação, por exemplo, no Morehouse College, uma prestigiosa faculdade de Atlanta, mas diz que só conseguiu esse privilégio porque sua avó economizou dinheiro para isso.
Depois, fez mestrado em cinema numa das melhores escolas dos EUA, a da Universidade de NY.
Ao fim do primeiro ano, fez um filme, "The Answer" (A Resposta), no qual conta a história de um roteirista negro que foi contratado para fazer um remake de "O Nascimento de uma Nação" (1915), de D. W. Griffith, um filme considerado racista por muitos críticos.
O filme de Lee, segundo conta, desagradou tanto que ele foi convidado a deixar a escola.
"Achavam que eu estava difamando o pai do cinema. Eles queriam me chutar. Mas cometeram um erro. Eles haviam me dado uma monitoria antes das provas finais". Por esse motivo, diz, a faculdade foi obrigada a engoli-lo por mais dois anos.
Basquete
A paixão de Lee pelo New York Knicks é tanta que, por causa de um jogo, ele deixa de assistir uma importante apresentação de seu pai e, em um outro momento, chega a perder uma namorada por causa do time.
O cineasta estava começando a filmar o seu primeiro longa, "She's Gotta Have It", em 1986, quando parou tudo para assistir um evento ligado ao Knicks na televisão.
Sua namorada, Cheryl, que estava junto, tentava chamar a atenção de Lee, que não desgrudava os olhos da TV. Até que ela disse as palavras fundamentais: "Está tudo acabado entre nós."
Não espanta também que o personagem principal do filme, Mars Blackmon, seja um fã apaixonado de basquete e que uma das frases mais polêmicas do filme também diga respeito ao tema.
Mars se refere a Larry Bird, um dos maiores jogadores brancos da história da NBA, como "o filho da mãe mais feio da NBA".
A irritação de Spike Lee com Larry Bird, um branco bem-sucedido num esporte que o cineasta considera ser uma propriedade dos negros, volta a aparecer no seu terceiro e mais famoso longa, "Faça a Coisa Certa", quando um dos personagens brancos aparece em cena com a camisa número 33 que o jogador usava no Boston Celtics.
Lee nota que o basquete, como o jazz, dá espaço para a improvisação -e considera que os negros norte-americanos mudaram a história do esporte.
Não diz, mas sugere que ele, Spike Lee, um fã apaixonado de basquete, foi responsável por mudar a maneira como o negro é mostrado no cinema norte-americano.
Talvez tenha dito a coisa certa.

Livro: "Best Seat in the House", de Spike Lee, com Ralph Wiley
Preço: US$ 23 (330 págs.)
Onde encomendar: pela Internet, na Amazon Books (http://www.amazon.com)

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