São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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Escândalo dos frangos e ordem no galinheiro

FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA

Minha preocupação, no momento, é o El Niño.
Até que ponto esse fenômeno vai atingir o Brasil? Seria por causa dele que os laranjais do Rio estão dando frutas pequenas e deformadas?
Muitos avisos foram dados. O governo até que deu um passo, criando uma comissão para estudar os reflexos do El Niño na queda da produção agrícola. Mas isso é pouco, pois as previsões indicam cheias em algumas regiões.
Era preciso montar uma equipe multidisciplinar, envolvendo também defesa civil e comunicação. E, é claro, o meio ambiente, pois o El Niño está dentro do quadro das transformações climáticas.
Um amigo de Santa Catarina, impressionado com as enchentes que atingiram a região no passado, iria estudar comigo a montagem de um grupo de planejamento para atenuar os impactos do El Niño.
Acontece que um novo fato absorveu sua energia: estourou um escândalo dos frangos em Santa Catarina.
Não pretendo entrar no mérito, mas é preciso admitir que, apesar da eleição do sucessor do macaco Tião no zôo do Rio, o frango está se destacando como o bicho de maior repercussão política no país.
Refiro-me a uma repercussão permanente, nada de efêmero como um leão que foge do circo ou a cachorra de um ministro que ele considera humana, ou mesmo os jacarés do presidente, uma espécie de alternativa menos dolorosa de oposição.
O frango é um dos parâmetros da propaganda do Plano Real. Tudo ficou melhor com o fim da inflação, que, segundo o governo, tirou 13 milhões de pessoas da pobreza absoluta.
Hoje, elas comem frango, e o próprio "Casseta & Planeta" tem se esforçado em mostrar ao país que qualquer ameaça ao frango é, na verdade, uma ameaça ao Plano Real.
O amigo catarinense não entende por que a merenda escolar de seu Estado, o maior produtor de frangos do país, foi comprada em São Paulo.
Só o transporte já tornaria o frango mais caro, embora se diga que é um frango de exportação, talvez com as carnes mais tenras ou acessórios que não se encontram nos outros.
Nada tenho contra o frango. Mas ele está ocupando um espaço maior do que merece. A mídia gosta que soltem a franga. É importante denunciar a corrupção e tudo o mais.
Temo que os escândalos não nos deixem, como aconteceu com o amigo catarinense, tempo para temas importantes como esse do El Niño, um fenômeno previsto cientificamente e, mais do que isso, com seu desenrolar anunciado para todos os países que não dispõem de recursos técnicos sofisticados.
Mesmo porque, no limiar de uma nova campanha eleitoral, talvez fosse conveniente mudar de bicho. O frango salvou o Plano Real, mas foi o jacaré que ganhou o agradecimento público do presidente.
Por que não estabelecer um novo parâmetro? No meu governo, jacaré não vai precisar nadar de costas.
Ou então, graças ao Plano Real, as piranhas vão morder e soprar, ao contrário do que faziam antigamente.
Precisamos ampliar os horizontes da nossa política zoológica. A sucessão vai abrir um intenso debate sobre a paternidade do Plano Real. Tenho dúvidas sobre quem realmente foi o pai. Mas a mãe, tenho certeza, foi uma galinha.
Favorecido pelas manchetes, o frango necessita de um justo repouso. E isso só virá quando se botar ordem no galinheiro.
Vivemos um inverno brando, sol todos os dias, e nem imaginamos que isso tem a ver com as alterações climáticas, que algo de muito sério está para acontecer e temos de encará-lo com o mesmo fascínio que peito e coxas exercem no nosso morno cotidiano.

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