São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 1997
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Lua-de-mel com a palavra

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Arnaldo Jabor encarna, melhor do que ninguém, um paradoxo do cinema brasileiro: essa estranha entidade é capaz de gerar prestígio, mas não de ter prestígio.
O Jabor desiludido que topou trocar o cinema pelo jornalismo no início dos anos 90 é o mesmo que levou, quando muito, três semanas para se tornar uma estrela jornalística. Algum tempo depois levou esse prestígio para o jornal das oito da Rede Globo.
Não seria difícil acontecer a mesma coisa com Cacá Diegues, que escreve muito bem e é um frasista agudo, por exemplo. Antonio Calmon, que nem chegou a ser diretor "de prestígio", tornou-se desenvolto autor de textos de ficção da própria Globo.
No fim dos anos 70, por aí, Glauber Rocha intervinha semanalmente no programa "Abertura". Seu quadro era uma paixão nacional. Assistir "A Idade da Terra", seu último filme, ninguém queria. O público chegou a rasgar as cadeiras do Belas Artes, que o exibiu.
Talvez a incursão pelo jornalismo e pela TV tenha sido o atalho mais curto para Jabor reencontrar o cinema. Mas as particularidades desse "détour" expõem demais a relação turbulenta que o Brasil entretém com suas imagens para não chamar a atenção.
Não deixa de ser sintomático que Jabor tenha se iniciado no cinema colocando em questão o conceito de "opinião pública", em 1967, no filme do mesmo nome: a rigor, uma vasta enquete sobre como se geram as "idéias feitas".
Também não é um acaso que seu melhor filme seja "Toda Nudez Será Castigada" (73), adaptação da peça de Nelson Rodrigues, tragédia de personagens que se agitam com desespero, que berram, mas não conseguem encontrar a verdade em suas palavras.
Mesmo seu último filme -"Eu Sei que Vou Te Amar", de 1984- tem como centro uma crise em que dois amantes falam incessantemente, de maneira obsessiva.
Embora a dialogação excessiva e desigual comprometa a força do filme, a questão central da obra parece ser a mesma: a palavra não é um modo de comunicação, e sim um vasto mal-entendido.
Nos anos 60 e 70 o cinema aparecia como contraponto a esse mal-entendido, como se a imagem buscasse corrigir as palavras. Nos 80, Jabor parecia aceitar a supremacia das palavras, sobre as quais a imagem já não conseguia exercer qualquer papel tutelar: ambas chafurdavam no desentendimento.
Nos 90, Jabor tem vivido uma espécie de lua-de-mel com a palavra e seu poder encantatório. Essa pode ser a experiência que agregará a seu cinema, se de fato retornar.

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