São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 1997
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FHC repete Getúlio

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - O presidente Fernando Henrique Cardoso orgulha-se de estar pondo fim ao varguismo, ou seja, aos princípios e idéias de Getúlio Vargas que ficaram como seu legado, após o suicídio, em 1954.
É bem provável que, conceitualmente, FHC esteja certo. Mas, em matéria de fatos, se o presidente por acaso mantém um diário, pode ser acusado de plagiar seu já remoto antecessor.
Exemplos, extraídos do diário de Getúlio Vargas:
dia 5/12/1930 - "Rio Grande, São Paulo e Minas assediam o governo com insistentes pedidos de recursos, para atender pagamentos urgentes, externos e internos (...). Prometo examinar o assunto. A União não tem dinheiro";
dia 11/12/1930 - "Os Estados querem que a União pague os vencimentos de sua polícia, ao que não posso aceder";
dia 12/1/1931 - "Assinadas as leis sobre acumulações remuneradas e disponibilidade. Esta também suprime as gratificações adicionais". É uma alusão a decretos que vedaram a acumulação de cargos remunerados e tratam de disponibilidade, aposentadoria e reforma dos funcionários públicos;
dia 8/7/1933 - "O (ministro da Viação) disse-me que a administração de Minas era de descalabro financeiro, com o governo prisioneiro da Força Pública, que gastava 50 mil, recebendo ainda vencimentos de campanha, e que foram feitas promoções gerais, entre elas as de 16 coronéis, a maioria sem funções a exercer".
É notável (e muito eloquente) que, após 60 e tantos anos, dez presidentes constitucionais e cinco "de facto", mais os interinos, o diário de Vargas pareça sinopse recente da Radiobrás.
Enterrar a herança varguista talvez seja a parte mais fácil da tarefa a que se propõe FHC. Mudar a cultura política brasileira (anterior e posterior a Vargas) é outra conversa, até porque os que lhe dão sobrevida permanecem, com outros nomes, tão atuais como o velho diário. Permanecem também no governo.

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