São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997
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Médico Amílcar Lobo morre aos 58 no Rio

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

O médico e psicanalista Amílcar Lobo, 58, morreu ontem no Rio devido a complicações cardíacas. Lobo foi o primeiro médico na América Latina a ser punido sob acusação de participação em atos de tortura.
Em 1989, ele teve seu registro de médico cassado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) sob a acusação de envolvimento com tortura, decisão da qual recorreu. O recurso ainda tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Internado havia 24 dias no hospital da Beneficência Portuguesa (centro do Rio), Lobo teve como causa da morte pneumonia, choque séptico e cardiopatia isquêmica.
Militar, ele serviu de 1970 a 1974 como segundo-tenente médico no quartel da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita (na Tijuca, zona norte do Rio), onde funcionava também o Doi-Codi.
Lobo nunca admitiu ter participado de sessões de tortura. Admitia ter examinado presos políticos após sessões de tortura, mas não com o objetivo de verificar se poderiam continuar a ser torturados.
O próprio médico contou, em 1986, ter sido uma das últimas pessoas a ver o deputado Rubens Paiva ainda com vida, em 1971, no prédio da rua Barão de Mesquita. Ele teria examinado Paiva e constatado hemorragia causada por torturas.
"É lamentável que ele tenha morrido sem ter contado tudo o que viu nas prisões políticas", disse a presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra.
Coimbra foi uma das responsáveis pelas acusações que levaram Amílcar Lobo a ter seu registro médico cassado pelo CFM em 89.
Ela foi presa em 1970 e levada para o Doi-Codi. "Ele me examinou, mediu minha pressão e perguntou se eu tinha algum problema cardíaco. Depois, disse para outra pessoa que eu podia ir. Fui levada para a sala de tortura", afirma.
As ligações de Amílcar Lobo com a tortura causaram reflexos no meio psicanalítico. Ao surgirem as primeiras denúncias de seu envolvimento com a tortura, Lobo fazia sua formação como analista.
Seu analista didata (responsável pela formação) era o psicanalista Leão Cabernite. Segundo os psicanalistas Hélio Pellegrino e Helena Bessermann Vianna, Cabernite teria sido conivente com Lobo por não ter denunciado, à época em que o analisava, seu envolvimento com a tortura.
Afastado da medicina, Lobo passou a ter problemas cardíacos. Seu corpo seria velado no cemitério de São Francisco Xavier até hoje. Ele deve ser cremado na segunda.

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