São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997
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Presidente do STF propõe ampliar aborto

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Celso de Mello, disse à Folha que a legislação sobre o aborto deveria abranger casos de comprometimento grave e irreversível à saúde da mulher e má-formação do feto.
"Proponho que se ampliem as hipóteses de aborto. Essa opção da mulher, seja casada ou que viva com um companheiro, deve resultar do exercício comum de reflexão de ambos, sempre em caráter excepcional."
Proposta em discussão na Câmara regulamenta o aborto nos hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde) em duas hipóteses previstas no Código Penal, de 1940: risco de vida à mulher e estupro.
Mesmo restrita a essas possibilidades, a realização do aborto legal na rede pública está provocando reação da Igreja Católica e de outros setores da sociedade.
Anteontem, o ministro Carlos Albuquerque (Saúde) disse que vai propor ao presidente Fernando Henrique Cardoso que vete esse dispositivo. Ontem, Albuquerque não quis falar sobre assunto. "Por enquanto é um projeto, quando virar lei eu me pronuncio."
Mello afirmou que admite o aborto em "casos excepcionais". Disse que, de um lado, considera a premissa básica do direito à vida e, de outro, diretrizes fixadas em conferências internacionais recentes, sobre a mulher ou a família e o crescimento populacional.
Igreja
Mello defendeu a adoção, pelo Estado, de políticas de planejamento familiar, como alternativa à prática do aborto, criticando a Igreja Católica pela oposição a práticas contraceptivas que não sejam os chamados métodos naturais (como abstinência sexual).
O ministro contestou a posição da igreja, firmada em duas encíclicas (cartas circulares do papa): a Humanae Vitae, de 1968, e a Evangelium Vitae, de 1995.
A primeira, do papa Paulo 6º, aprova somente métodos naturais. A outra, do papa João Paulo 2º, reafirma essa restrição, passando a considerar pecaminosos os demais métodos, a exemplo do uso da pílula anticoncepcional.
"Embora católico, não concordo com essa tese", disse. "Respeito a posição da Igreja Católica e de comunidades evangélicas, mas entendo que a realidade social do Brasil impõe que tais direitos (de acesso ao planejamento familiar e ao aborto excepcional) sejam reconhecidos em favor da mulher."
Mello também disse que o Estado leigo (sem religião oficial) não deve seguir orientações religiosas, deixando aos cidadãos o direito a essa opção.
"Num Estado leigo, fundado em bases republicadas, não tem sentido fazer prevalecer princípios religiosos. Seria romper com a neutralidade religiosa necessária ao Estado. A pessoa pode optar, individualmente, por aplicar ou não esses princípios."
Dignidade
O presidente do STF disse que a proposta em discussão no Congresso é "de grande importância", embora se limite a aplicar os casos previstos há 57 anos.
"A lei em questão não inova. Apenas se limita a determinar que os hospitais públicos pratiquem o aborto nos casos previstos pelo Código Penal, de 1940."
Para o ministro, a proposta "resgata a dignidade de mulheres carentes, com vidas eventualmente desfeitas na prática clandestina de abortos malsucedidos".
Segundo ele, a discussão sobre o direito excepcional ao aborto deve considerar questões como a paternidade responsável e a dignidade da pessoa humana.
Mello condenou qualquer possibilidade de imposição, pelo Estado, do aborto ou de métodos contraceptivos com a finalidade de controle demográfico, com fundamento nas diretrizes das duas conferências internacionais recentes que trataram dessa questão.
Ele citou as conferências do Cairo, em 1994, sobre família e crescimento da população, e de Pequim, em 1995, sobre a mulher.
"O Estado nunca pode ditar regras. Deve fornecer esclarecimentos técnicos e científicos, especialmente para as mulheres carentes."

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