São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O dano da imprensa

ANIS JOSÉ LEÃO

Deusdedith Aquino, diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais, escreveu, no periódico da entidade (maio de 97), que no projeto da nova Lei de Imprensa existe um ponto grave: "não fixa a obrigatoriedade de que o ofendido, ao entrar na Justiça, declare o valor que deseja receber de indenização (pelo dano moral que o veículo lhe causou). A decisão será do juiz. Porém, apesar dos parâmetros fixados para a análise judicial, a ausência cria enorme insegurança nos veículos de imprensa".
E adiante: "... esse item deve ser introduzido na legislação para melhor estabilidade empresarial de jornais, revistas, rádios e televisões, de forma a servirem, com independência, à democracia".
Nesse passo, o lúcido articulista não teve a felicidade que o socorre quando considerou "a regulamentação do direito de resposta - esta sim, a grande reivindicação da sociedade".
O projeto em causa, em seu artigo 6º, dispondo sobre a condenação civil da empresa jornalística, manda levar em conta, por exemplo, a culpa ou o dolo, a primariedade ou reincidência específica, a capacidade financeira do ofensor, observada sua solvabilidade, a área de cobertura do veículo, a extensão do prejuízo à imagem do ofendido, observada sua situação profissional, econômica e social.
São os tais parâmetros a que Aquino aludiu.
Por primeiro, importa registrar que esses elementos para graduação da penal civil nada têm de novidade, qualquer leizinha que cuidou da responsabilidade por dano manda o juiz considerá-los. A vigente Lei de Imprensa, excelente em certos tópicos, também o faz.
Em segundo lugar, ainda que o projeto fosse omisso nesse ponto, o juiz recorreria a outros diplomas legais ou aos princípios gerais de direito, para a apenação civil.
A censura de Deusdedith, no particular, improcede. A vítima pode pedir o ressarcimento do prejuízo do dano material e moral que a imprensa lhe causou, colocando, ou não, o valor em dinheiro do malefício. Mesmo porque isso vai depender do acertamento, na execução do julgado, do tamanho e da quantidade da lesão.
E o fato de o autor da ação indenizatória pôr ou não pôr a quantidade de dinheiro que pretende para reparação de seu sofrimento nada tem que ver com a "estabilidade empresarial" dos negociantes de comunicação, muito menos com o ideal de "servirem, com independência, à democracia".
Na verdade, é o juiz que vai, por derradeiro, fixar o valor da reparação, e isso não pode ficar muito sujeito à boa ou má saúde da imprensa ofensora, porque, se o projeto ordena que se observe a "solvabilidade" dela, não é qualquer bagatela de R$ 20 que vai ressarcir brutal violação da honra, da imagem e do patrimônio da vítima, sempre a parte mais fraca diante da imprensa. Se não no aspecto material, pelo menos na capacidade de defesa.
Uma calúnia da Rede Globo ou da revista "Veja" pode destruir um homem ou uma entidade. E, se a indenização vier alta na sentença, a culpa é de quem produziu o delito. É preciso colocar um basta na impunidade, arrogância e fortitude da grande imprensa contra o pequenino cidadão. O projeto já cortou a pena dos 20% sobre o faturamento da empresa, com acerto, mas não pode pugnar pelo lado descomunal que ostenta a imprensa. Ela que aprenda a respeitar a honra de todos.

Texto Anterior: Mutirão tenta reduzir demora
Próximo Texto: Constituição desconstituída
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.