São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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BC assume 'entulho' do socorro a bancos

CARI RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Proer, como foi batizado o programa oficial de socorro ao sistema financeiro, está prestes a ser extinto deixando uma insólita herança para o Banco Central: a obrigação de administrar fazendas, jatinhos, uma usina de açúcar e até um banco -de sêmen bovino.
Todas essas atividades, para as quais a tecnocracia do BC não tem a menor vocação, foram assumidas dos bancos quebrados incluídos no Proer, em especial Econômico, Nacional e Bamerindus.
Pela concepção do Proer, o BC se preocupou em repassar a outras instituições os clientes, agências, contas e créditos dos bancos quebrados. Ninguém se interessou em ficar com penduricalhos que ajudaram na derrocada dos bancos.
Essa chamada parte "podre" dos bancos ficará por tempo indeterminado com o BC, que tentará vender os bens para cobrir dívidas deixadas pelos banqueiros falidos.
A quase totalidade das dívidas é justamente com o BC, que gastou cerca de R$ 20,7 bilhões desde a criação do Proer, em novembro de 95, para promover sete fusões -só com Econômico, Nacional e Bamerindus, foram R$ 18,3 bilhões.
O ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá não perdeu só o Banco Econômico para o Excel: deixou nas mãos do BC uma diversidade de investimentos que vai de uma fábrica de suco a participações em empresas petroquímicas.
Mas o que dá mais dor de cabeça aos inspetores do BC que liquidam o que restou do banco baiano, além de uma usina de açúcar, são os imóveis, muitos já invadidos.
"Existem imóveis que valem menos que o custo de manutenção", diz o liquidante do Econômico, Flávio Cunha.
As dificuldades são muitas para administrar setores que não são da área financeira, diz Cunha. "Às vezes, passamos por situações constrangedoras."
Psicologia
Mas não é só da conservação de entulhos que se ocupam os auditores do BC que cuidam das liquidações. Valdir Frazão, 43, funcionário do BC há 13 anos e formado em administração de empresas, diz que faz ainda papel de psicólogo.
Ele faz parte da equipe que cuida do entulho do Bamerindus, o que significa zelar por um estacionamento com 320 vagas, uma empresa de segurança, vigilância e transporte com 230 funcionários e objetos de arte que enfeitavam o gabinete do ex-banqueiro José Eduardo de Andrade Vieira, senador pelo PTB-PR.
"Todo dia tem alguém perguntando qual será o seu futuro. O nosso papel é tranquilizar as pessoas, vender as empresas e preservar os empregos", conta Frazão. Nem sempre isso é possível.
Ainda no espólio do banco paranaense, o BC ficou com 11 fazendas, uma central de sêmen bovino, uma escola, dois aviões e outros 335 imóveis e 950 veículos que deverão ir a leilão.
O Nacional, da família Magalhães Pinto, foi o banco cuja venda trouxe mais problemas políticos para o governo -Ana Lúcia Magalhães Pinto, nora do presidente Fernando Henrique Cardoso, ficou com seus bens indisponíveis.
Já o liquidante do banco, José Emílio Possas, ficou com o fardo de cuidar de cerca de 400 veículos importados, a maioria modelo 1995 e fora de linha, de uma empresa que não pagou suas dívidas.
Distorção
O diretor de Fiscalização do BC, Cláudio Mauch, responsável pelas liquidações, diz que a herança do Proer é resultado de uma distorção do sistema financeiro.
"Vários bancos viraram verdadeiras holdings, com empresas não financeiras. Isso aconteceu até por conta de ações do governo."
Ele defende a discussão da idéia de que as liquidações sejam transferidas para a Justiça. "A obrigação do liquidante é administrar a massa falida. Muitas vezes isso não é uma tarefa agradável."
Há mais exemplos para confirmar a avaliação do diretor. Os inspetores do BC são vigiados de perto pelos ex-controladores e administradores dos bancos.
Não é raro um leilão de bens ser interrompido porque o ex-controlador contesta o valor da avaliação.

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