São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Suécia pode perder controle do álcool

Libération
de Paris

OLIVIER SCHNEID

Na pequena mercearia Mido Livs, em Malmõ, na Suécia, o vendedor, desolado, explica porque não pode me vender uma garrafa de vinho ou vodca. "Na Suécia, só lojas estatais são autorizadas a vender bebidas alcoólicas. Como é sexta-feira e são 19h, o sr. vai ter de esperar até segunda-feira."
O monopólio, conhecido no país como "systembolaget", é organizado em torno de 392 lojas reservadas aos compradores acima de 20 anos. Estão abertas das 10h às 18h nos dias de semana (com exceção das quintas-feiras, quando fecham às 19h) e fechadas nos fins-de-semana e feriados. Nas áreas rurais que não têm loja, os pedidos podem ser feitos pelo correio.
"É um misto de Orwell e Kafka!", diz o advogado Michael von Quitzow, que briga há dois anos e meio contra o sistema. Seu cliente, Harry Franzen, foi preso no início de 1995 por vender garrafas de vinho em sua loja de produtos alimentícios. Ele infringira a lei no dia seguinte à adesão do país à União Européia para protestar contra um monopólio que, em sua opinião, restringe a livre circulação de mercadorias, prevista pelo Tratado de Roma.
O caso foi levado à Corte Européia de Justiça, em Luxemburgo, que deverá emitir sentença em breve. O procurador-geral já se pronunciou pela supressão do sistema, e seu parecer costuma ser seguido pelos magistrados.
O governo sueco ainda não desistiu de fazer ouvir sua voz. A regulamentação, instaurada em 1917 e abrandada em 1994 (devido à entrada do país na UE), tem por objetivo "proteger a saúde pública", diz Gert Knutsson, responsável pela política relativa ao álcool no Ministério dos Assuntos Sociais. Knutsson prevê aumento nos níveis de alcoolismo e violência caso o monopólio seja suprimido. É a lendária "cultura da bebedeira", num país que, na verdade, é um dos que menos consomem bebidas alcoólicas no mundo: cerca de seis litros por habitante por ano.
"É legítimo tentar combater o alcoolismo, mas o governo recorre a argumentos falhos quando evoca o interesse público", retruca Michael von Quitzow. "Se está tão interessado em proteger as pessoas, por que privatizou o monopólio do tabaco?", diz. Ele cita estimativas oficiais que avaliam o consumo clandestino (importação ilegal, destilação doméstica) em pelo menos 40% do consumo total. Segundo ele, o monopólio encoraja o mercado negro -"especialmente nas saídas das escolas"-, e a liberalização, ao reduzir o consumo ilícito, aumentaria os impostos recebidos pelo Estado.
Esse é o argumento apresentado pelos adversários do "systembolaget", convencidos de que o governo sueco utiliza o argumento da saúde pública para preservar o monopólio que o faz arrecadar o equivalente a R$ 2,55 bilhões por ano em impostos. As opiniões dos clientes das lojas do Estado são bem mais diversificadas do que levam a supor resultados de pesquisa recente, segundo a qual quatro em cada cinco suecos pedem a abolição do monopólio. "Estamos acostumados com o monopólio, e assim podemos controlar o acesso dos jovens ao álcool", diz Eva, 50. Já Asa, 29, se queixa: "As filas de espera são intermináveis. Se houvesse concorrência, os preços cairiam".
O procurador-geral da Corte Européia considera que um país tem outros meios para atacar o problema do alcoolismo. Enquanto aguarda julgamento, Harry Franzen aluga carros a suecos que vão à vizinha Dinamarca, de balsa, garantir suprimentos de bebida.

Tradução de Clara Allain

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