São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Filantropia, exercício de cidadania

JOSÉ MINDLIN

Fala-se muito em filantropia, mas tenho dúvidas se todos estão falando da mesma coisa, pois a palavra, que filologicamente significa "amor à humanidade", tem sentidos muito abrangentes.
Um deles, de que eu mais especificamente pretenderia tratar, é o apoio financeiro à cultura, à educação e a programas sociais.
Tradicionalmente, no Brasil, esse assunto vinha sendo considerado como sendo de responsabilidade do Estado. A contribuição da sociedade, por intermédio de instituições privadas, empresas ou pessoas interessadas, era, nessas condições, apenas voluntária.
Ora, como o Estado, tanto nesses temas como em muitos outros, tem tido crescentes dificuldades de atuação, o resultado óbvio é que sua atuação vem se revelando cada vez mais insuficiente, tornando imperativa uma parceria com o setor privado.
Esta existe, aliás, de longa data, mas, por sua vez, também em escala insuficiente, o que se explica pelo fato de ainda ser considerada, por ser voluntária, um favor de quem contribui, já que a responsabilidade continua a ser do Estado.
Daí se falar muito em mecenato, a propósito da participação da sociedade civil no apoio aos setores de que estou tratando.
Aí reside, a meu ver, um engano fundamental: esse apoio não é um favor, e sim uma obrigação social, que ainda não foi reconhecida pelo setor privado com a necessária amplitude.
Com certo exagero, poder-se-ia dizer que a parceria do setor privado com o Estado, no atendimento às necessidades dos três setores que mencionei, ainda é excepcional, mas essa é uma situação que deve mudar.
A responsabilidade pelo desenvolvimento cultural, por um bom processo educacional e pelo bem-estar social, mesmo sendo realmente um dever do Estado, não é só do Estado -na realidade, incumbe também à sociedade como um todo. A parceria, portanto, é uma obrigação, não um favor.
Com toda a humildade, creio que temos de reconhecer que ainda falta para isso uma conscientização generalizada, ou seja, há um problema de mentalidade. Não estamos, é claro, na estaca zero, longe disso. Mas ainda há muito por fazer, e quem já está integrado nesse programa de cooperação deve procurar ampliá-lo por todos os meios e modos.
Da parte do Estado, existem leis de incentivo, que são úteis e necessárias. Mas devemos chegar ao estágio em que o setor privado dê sua contribuição por reconhecer que ela é um dever social, não porque os incentivos lhe oferecem vantagem. E isso não deve ser encarado como um encargo ou uma obrigação aborrecida.
Na realidade, o exercício de filantropia de que estou falando é também um exercício de cidadania e, como tal, uma fonte de satisfação pessoal.
Aliás, a contribuição da sociedade não se deve limitar ao suprimento de recursos financeiros. É da maior importância que haja também uma participação pessoal nas iniciativas financiadas.
Nos EUA, essa participação, que se traduz por tempo dedicado às atividades filantrópicas -tempo que representa um valor-, é equivalente e, por vezes, até mesmo maior do que a contribuição financeira. Criou-se lá, e felizmente começou a surgir aqui (mas aí, também, em escala ainda insuficiente), o que vem sendo chamado de "terceiro setor".
Temos pela frente, como se vê, um grande desafio, mas inegavelmente um desafio estimulante.
Como membro do conselho da Vitae -uma das muitas instituições filantrópicas que existem entre nós (filantrópicas não no sentido de favor...) e que têm por objetivo atender os três setores que inicialmente mencionei-, posso confirmar a satisfação que essa atividade proporciona.

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