São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 1997
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Seja um desertor, essa guerra não é sua

CÉLIA ALMUDENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Pior do que o filho presenciar cenas de batalha entre pai e mãe dentro de casa, talvez seja ele ser usado como artilharia dessa guerra. Aqui, você encontra alguns depoimentos de leitores que viveram ou ainda vivem um processo bravo de crise na família.
Quando a situação se torna pesada demais, alguns chegam até a preferir a desunião. Outros assumem o papel de juiz na tentativa de resolver a situação.
Seja como for, os filhos não costumam escapar do sofrimento. E o número dos que enfrentam essa barra é significativo. Segundo o IBGE, em 94, cerca de 246 mil brasileiros menores de 18 anos tiveram seus pais separados.
Especialistas no assunto mostram estratégias para o filho "sobreviver" à guerra entre os pais.

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Seu mundo não acabou
É normal ficar assustado com o desmoronamento da vida familiar. Mas independentemente de o casal estar junto ou não, você sempre vai ser filho do seu pai e da sua mãe. Portanto, o que mais importa é como você se relaciona com cada um deles.

Não tome partido
Evite tomar partido de um dos pais, julgar ou criticar. Afinal, uma história sempre tem dois lados.
"Se um deles vier falar mal do outro, se possível, corte a conversa. Diga que você prefere conversar com os dois juntos. Se não for possível, ouça o que cada um tem a dizer, mas não omita opinião. Tente ficar neutro", diz a psicoterapeuta Maria Clara Heise, 48. Resumindo: saia do campo de luta. Não assuma o papel de combatente. Essa guerra é deles e não sua.

Nada de culpas
Muitas vezes, os pais acabam colocando os filhos no centro das discussões, usando-os na briga. Um exemplo típico é quando um dos dois acusa o outro pela "má" educação dada à prole, e a discussão vai longe. Não entre nesse jogo, ou melhor, ignore, pois o descontrole emocional dos pais pode estar falando mais alto. Agora, se você leva a sério pode se sentir culpado pelo conflito. Aliás, dizem os terapeutas, isso pode ser sinal de imaturidade ou insegurança dos seus pais. Afinal, ninguém é perfeito.

Esclareça suas dúvidas
Normalmente, os filhos guardam para si as dúvidas e os medos sobre como será seu futuro diante da separação. A maioria finge que não está acontecendo nada. Procure os pais para os devidos esclarecimentos. Pergunte claramente o que vai mudar na sua vida prática, por exemplo, com quem vai morar etc., aconselha Maria Clara.

Cuide da sua vida
Em geral, a separação se reflete em todos os aspectos da sua vida. O rendimento escolar, por exemplo, cai mesmo. Lute contra essa tendência. Concentre-se nas suas atividades (amizades, escola...) para não viver o problema dia e noite. Assim, você se distrai e se fortalece. Como cada pessoa é uma, busque a melhor forma de viver.

Se a separação é melhor
"Nunca é bom que os pais se separem. Dizer que prefere isso, na verdade, é uma forma de defesa. Todo mundo almeja ter uma família legal e unida", afirma Adriana.
Mas, se a crise transforma a vida em família insuportável e os filhos realmente acreditam que o divórcio é o melhor, revelar isso pode ser bom.
"Muitos pais têm medo da separação por causa dos filhos. Quando o filho manifesta sua opinião, acaba tirando um peso dos ombros dos pais", diz a psicoterapeuta Maria Clara.
Às vezes, "uma separação é melhor do que ficar vendo seus pais se agredindo com frequência", completa Maria Cristina Lombardo Ferrari, 46, chefe do ambulatório do serviço de psiquiatria da infância e da adolescência do HC.

Feche com os irmãos
A união entre os irmãos é fundamental. "Dividir as angústias é muito importante. Assim, você não deixa que o núcleo, a estrutura familiar se desestruture ainda mais", diz Maria Clara.

Não se isole
Não precisa sair falando para todo mundo sobre o problema que está enfrentando. Mas divida a crise com um adulto de confiança (professor, parente, orientador da escola) ou com os melhores amigos. "É muito pior se você se fechar. É importante desabafar", diz Maria Cristina.
Isso porque "o adulto ou o amigo vão mostrar outros lados da história, reforçar os pontos positivos. Se você procurar a escola, geralmente ela vai dar suporte psicológico e você ganhará um ambiente com menos tensão na sua vida", diz Maria Angela de Azevedo Antunes, 44, coordenadora do departamento de orientação educacional do Colégio Bandeirantes, São Paulo.

Histórias alheias
A tendência de você se fechar para o mundo externo e se afundar no angustiante drama de casa existe. E, conhecendo as histórias e opiniões de outros que viveram ou vivem situações semelhantes, você descobre que não é o único a passar por essa. E que, no final, todos sobrevivem. Por isso, os depoimentos nesta página.

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