São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
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Liberdade sob risco

PAULO CABRAL

O projeto de Lei de Imprensa aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que seguirá para apreciação em plenário, traz sérias preocupações aos 108 jornais filiados à ANJ, responsáveis por 92% da circulação dos diários no Brasil.
Seu texto contém ameaças à plena liberdade de imprensa hoje existente. Por não fixar limites para as indenizações por calúnia, injúria e difamação, significará uma espada de Dâmocles sobre os veículos de comunicação. Diante do risco de valores que não poderão pagar, serão submetidos a forte censura econômica.
Com indenizações sem limites, somadas a multas elevadas contra os jornalistas, a imprensa brasileira caminhará não em direção a maiores níveis de responsabilidade, mas à volta da autocensura. Trata-se de prática inconveniente, desleal em relação ao público, prejudicial à sociedade. A autocensura seria um desserviço ao Brasil-Nação com que sonhamos.
É consensual a necessidade de aperfeiçoamento da imprensa. E ela tem ocorrido -como, por suposto, está acontecendo com as demais instituições do país.
Há consciência de que devemos promover correção espontânea de equívocos, reduzir erros, melhorar a apuração de fatos, buscar pluralidade de fontes de consulta, investir em qualidade editorial e, principalmente, em recursos humanos bem formados, treinados e valorizados. É também indispensável garantir um direito de resposta rápido, ágil e respeitoso, não como um favor, mas como um direito do cidadão.
Contudo isso deve ser feito dentro de um regime de liberdade, não por meio de leis punitivas, de rigor excessivo. Que, aliás, de tão exageradas, acabam não sendo cumpridas, como as famosas leis que "não pegaram".
O substitutivo inicial, apresentado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pelo deputado Vilmar Rocha (PFL-GO), continha avanços, em relação à lei de 1967, nos campos de direito de resposta, inexistência de censura, fim da prisão de jornalistas por ações de injúria, calúnia e difamação, impedimento da apreensão de jornais e revistas, garantia do sigilo da fonte.
Deixou o grave problema da ausência de limites para indenizações, caminho para a "quebra" de empresas jornalísticas, a autocensura e ações temerárias. Esperava-se que o relator, homem sério e de bom senso, pudesse corrigir essa falha mais à frente.
No entanto, emendas aprovadas na CCJ, em 14/8, representaram um agravamento do quadro. A apreensão de jornais e revistas passou a ser admitida, bastando apenas estar prevista em leis especiais. A prisão de jornalistas retornou ao texto, ainda que como derivativa do não-cumprimento da condenação a serviços comunitários. Foram mantidos o direito de resposta, com o qual concordam todos os órgãos de comunicação do país, e a garantia do sigilo da fonte, que já existia na Constituição Federal.
A questão do risco à sobrevivência das empresas jornalísticas emerge como forte inibidor da liberdade de imprensa. Condenações a indenizações fora de propósito serão capazes de levá-las à insolvência.
Trata-se de algo inconstitucional, pois, se a sentença inviabilizar financeiramente a empresa, chocar-se-á com o artigo 220 da Constituição Cidadã, de 1988, que garante a liberdade de imprensa. As salvaguardas existentes na proposta do relator, destinadas a balizar a decisão dos juízes, são subjetivas e não impedirão absurdos.
A ANJ é contrária, também, à prisão de jornalistas e editores no exercício do dever de informar. A pena estaria na contramão do direito moderno, que só recomenda a privação da liberdade para condenados que representem efetivo perigo à sociedade.
Como se não bastasse, existe, ainda, a possibilidade de mais emendas, restringindo ou cerceando a liberdade de publicar no Brasil.
Felizmente, já notamos reações de setores da sociedade, e dentre os próprios deputados e senadores, contra os exageros ora propostos.
A ANJ, ao lado das entidades de revistas, rádios e TVs, está acompanhando o assunto de perto e pronta para enfrentar qualquer situação em defesa da liberdade de imprensa. No entanto, não acredita que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovem legislação punitiva, vingativa ou descabida.
No fundo, os parlamentares sabem que a imprensa é fundamental para a democracia. Parlamento e imprensa são aliados na causa da liberdade democrática. Além disso, a verdade é que o Congresso Nacional nunca faltou ao país nos momentos decisivos.

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