São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
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A educação urbana

ANDRÉ LARA RESENDE

Soube pelo Mais! do domingo passado que a filósofa Olgária Matos e o arquiteto Jorge Wilheim estiveram no centro de mais um debate da série "Diálogos Impertinentes". Deparei-me algumas vezes, ao correr o controle remoto pelos canais da televisão, com sua transmissão pela TV-PUC.
Perdi, entretanto, no último dia 29, o debate sobre um tema que muito me interessa: as cidades. O título do programa, leio na Mais!, era mais especificamente "O Urbano". Por que não simplesmente "As cidades"? Talvez excessivamente vernáculo, sem a pompa acadêmico-modernosa que "O Urbano" parece lhe conferir. Mas deixemos isso de lado. É assunto para outra oportunidade.
Olgária diz que São Paulo tornou-se uma cidade difícil de ser amada, dada à desorganização, à violência, ao descuido com a paisagem e ao desrespeito pelo ser humano. Tanto Olgária como Wilheim acreditam que tal quadro não decorre necessariamente da excessiva concentração populacional. Não há um tamanho de cidade a partir do qual a qualidade de vida se deteriora, sustenta o arquiteto. A cidade é antes de tudo um ponto de encontro e São Paulo, muito mais do que outras grandes cidades, perdeu espaços públicos.
Estou de pleno acordo. A proximidade pedestre, a praça, os parques e as calçadas são instrumentos essenciais do insubstituível papel civilizador da urbanidade. As grandes cidades do novo mundo, pautadas pelo paradigma americano, substituíram o homem pelo automóvel. O efeito devastador se faz sentir em toda parte.
Acabo de voltar da Califórnia. Hospedei-me na casa de um amigo que lá está há alguns anos, nos arredores de São Francisco. A cada visita, mais me espanta e horroriza a árida solidão da vida em condomínios ilhados num mar de auto-estradas. As cidades modernas fazem todas as concessões absurdas ao imperativo do automóvel. Na Califórnia, entretanto, vive-se por concessão do automóvel.
As grandes cidades européias, da qual Paris, citada por Wilheim, é ainda um exemplo de resistência, preservaram o espaço público do pedestre como algo agradável e propício ao convívio entre cidadãos. Os restaurantes e os cafés nas calçadas, a presença das crianças nas ruas, dos grupos escolares nos parques, as filas dos cinemas nas calçadas, mantêm a essência do fascínio que as grandes aglomerações urbanas sempre exerceram.
O ritmo acelerado do crescimento de São Paulo neste século conferiu-lhe um perfil desordenado. Se o belo sempre lhe faltou, o fascínio da vitalidade urbana, "os usos da desordem", na feliz expressão de Richard Sennett, com toda certeza, conferiram-lhe atributos de sobra para ser atraente.
A combinação da asfixia imposta pela ditadura do automóvel com a moderna violência urbana, agravada pelos males e as desigualdades do subdesenvolvimento, ameaçam tirar-lhe toda possibilidade de ser amada.
Olgária diz que há hoje uma perda da noção do que é público. A dificuldade de viver hoje nos grandes centros decorre da falência do sistema educacional. Concordo, mas se o convívio urbano é fundamental para a educação cívica, tentar adaptar a cidade ao automóvel e à violência, abrir novas avenidas, restringir o comércio aos shoppings e a vida aos condomínios murados é profundamente deseducador. É, portanto, sobretudo a falência das cidades que provoca perda da noção do que é público.

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